20 de jan. de 2011

A verdade pura e simples do Garanhão

Meio desprovido de sentimentos de culpa quando cai em desgraça tamanha que possa ser comparado a um candidato em campanha eleitoral, o Garanhão de Pelotas, ainda assim, tem seus ataques de remorso e não consegue guardar os males que pode estar fazendo a alguém.

Nasceu para ser aberto e franco; detesta ser dissimulado. Sabe, no entanto, que o mundo não suporta a verdade verdadeira. Aguenta - e olhe lá! - a verdade, não mais que a verdade; a verdade pura e simples. A verdade por inteiro, verdadeira mesmo, é um Deus nos acuda. Ou um diabo que carregue.

O Garanhão bota pra fora. Nem tanto porque seja de uma sinceridade sem par, ou ímpar, mas muito mais porque sabe que a mentira é nanica, tem pernas curtas. Como uma boa anã, a mentira não morre. Ou você já foi, ou conhece alguém que tenha ido a um enterro de anão?!?

Chegou-se à mesa dois do Cruz de Malta, bar da esquina de todas as dores de amores da cidade. Era ali que Josué, o Zeca, seu melhor amigo sempre estava, enchendo de pedras renais - tal era a mágoa que tinha no corpo - as doses do uísquezinho que tão bem faz ao fígado de todos nós. O Garanhão chegou-se, sentou diante do amigo e pediu um Jack Daniels duplo, de caubói. Corria o anoitecer.

- Zeca, somos amigos desde guris.
- Sei, tu és meu faixa, desde mandinho.
- E tu, tu és meu mano, Zeca. Mas preciso te dizer uma coisa...
- Te abre, meu chapa.
- Tu tá aprecatado Zeca, pra qualquer coisa?
- Desembucha, tchê.
- É que a Zeneida ... Ela...
- Destranca, meu.
- Ela tá te guampeando com outro macho, tchê...
- A las pucha... Essa foi bucha!

A verdade cortou fundo a alma de Zeca. Ele nem quis saber de mais nada. Saiu da mesa, meio sem rumo, desarvorado, já com as guampas tortas, mas profundamente agradecido ao amigo de fé, irmão, camarada. Antes de chegar à porta de saída, ainda dirigiu-se ao confidente:

- Brigado, meu faixa; muito brigado pelo coice... e pela amizade.
- Não por isso, compadre... Só não me vai fazer besteira...

O Zeca já nem estava mais ali. O Garanhão sequer teve tempo de dizer mais alguma coisa. Pena, mas era verdade. Respirou aliviado pelo desabafo e pela reação do pobre Zeca. Levantou-se pagou a conta e foi para casa. Tomou um banho reparador, deitou-se de cara para o teto. Apagou a luz. Dormiu com o remorso martelando sua cabeça.

Nem era remorso. Era a verdade inteira que lhe pesava na consciência. Afinal, o macho que andava comendo a Zeneida era ele. Dói até hoje na alma do Garanhão botar guampa no Zeca. Essa verdade verdadeira vai morrer com ele. Magnânimo, não quer causar mais dor ainda ao amigo velho.