Na companhia de um herdeiro da falida nobreza local, antigo colega dos bancos do Ginásio Gonzaga, trocava novidades amenas, sem futuro algum, como faz bem aos lordes e às "pessoas não comuns" da República dos Tiriricas.
Portava, com indisfarçável naturalidade, os ares de cidadão do mundo que a vida de viagens continentais, com passagens pelos países mais exóticos do planeta, lhe outorgara. Cumprimentava com simpatia os que lhe pareciam ricos. Aos pobres fingia que não via.
Não era preconceito; apenas um resquício de má-formação congenita. Nascera assim. Rico é rico; pobre é pobre. Cada um na sua e Deus por todos, desde que a sua poltrona fosse na janelinha do avião, ainda que longe da Primeira Classe.
Os dois conhecidos iam e vinham, numa boa quando o olhar do Garanhão se adiantou uns quinze ou vinte passos e bateu na figura de um pobretão que, desgarrado de suas raízes, tinha se atrevido a cursar o mesmo colégio e até se formado com ambos no curso Científico. Vai ver que até entrou na faculdade - pensou o orgulhoso conde Xixi.
O Garanhão não titubeou. Enfiou o braço no braço do parceiro e deu meia volta, olhando vitrines que não lhe diziam nada. O companheiro de caminhada quis saber o que estava acontecendo:
- Ei, o que foi que deu em você?
- Você não viu o Sebastião, aquele maltrapilho da nossa aula?
- Vi, sim... E daí?!?
- Daí que ele é tão metido que é bem capaz de...
- De vir falar conosco?...
- Deus nos livre e guarde. Aquele pária periga ter a ousadia de nem baixar os olhos e, quem sabe até, nos cumprimentar!
E, com toda a sorte que os deuses lhe deram na vida, viu que as portas do bom e velho Bavária já estavam abertas. Colocou o braço nos ombros do outro e infiltrou-se no mais tradicional point de comes & bebes da sua bem amada Princesa do Sul.
Na mesa cinco, frente a uma generosa dose da incomparável finlandesa Koskencorva amancebada com quatro nacos de uma laranja na casca, sentiu-se de novo como se estivesse em casa.
De lá para cá, não se sabe muito bem porque cargas d'água, mas o Garanhão de Pelotas andou revendo alguns conceitos. Meio na marra, por causa das quotas raciais que andam vigorando em universidades e outros organismos da paupérrima sociedade atual.
Outro dia, no Louis 25, um restaurante em Champs Elysees, na gélida Paris, enquanto sua secretária-executora refazia a maquiagem no toillet, ele suspirava com enfado, de si para si mesmo, diante de uma taça de champanhe:
- É, os dias de hight society estão mesmo chegando ao fim.