Um dia, alhures, o ávaro ricaço perdeu um saquitel com Cr$ 800 contos em dinheiro sonante, a vida inteira lá dentro. Mas, ele só pensava na bijuja, na bufunfa, no capim... Afinal, a grana, os pilas eram de estimação, ora pombas!
O avarento, no entanto, tinha tanta potra que, na tarde seguinte, na soleira da porta de seu bangalô, um humilde camponio lhe pediu precisadas alvíçaras, pois achara numa touceira o saco do canguinha. Uma gorjeta, uma propina viria bem a calhar.
Saquitel na mão, o esperto contou e recontou o dinheiro, enquanto surrupiava uma nota de cem contos de réis, sem que o colono se desse conta. Foi então que, na maciota, tentou embromar o pobre honesto que lhe devolvera os bens perdidos e que agora só queria uma pequena recompensa:
- Aqui deveria ter 800 contos, mas só tem 700... - disse em tom que mostrava desconfiança.
- Como assim, meu senhor... eu não peguei um tostão furado do seu saco.
- Acho que você já tirou a recompensa. Não lhe dou mais nada, néris de pitibiribas!
- Ora bolas - azedou-se o matuto - isso não fica assim, o senhor está me achincalhando...
- Se não gostou bota açúcar e vamos até o juiz e deixar que ele decida - ameaçou o safardana, confiando em sua posição social.
E foram. Depois de cada um contar a sua parte do caso, ouviram a peroração do Garanhão de Pelotas, na época douto magistrado da província de São Pedro que, de cara, havia bispado o golpe e a esperteza do abastado cidadão. Dirigindo-se ao ricaço, ele pediu confirmação:
- O senhor perdeu um saquitel com 800 contos?
- Sim doutor, 800 contos.
- E o senhor achou um saquitel com 700 contos? - quis saber do pequeno camponio.
- Sim senhor doutor, o moço aí contou na minha frente e diz que tem 700...
- Então, pode ficar com ele. O senhor o achou, então ele é seu.
E, sem mais delongas, antes que o avarento saltasse nas tamancas, o Garanhão de Pelotas dirigiu-se a ele, olhos nos olhos e justificou sua sentença:
- Como o senhor perdeu um saquitel com 800 contos, e esse outro senhor encontrou um saquitel com 700, está mais do que evidente que não se trata do mesmo objeto perdido. Então, meu senhor, não tem curécuré, espere sentado que alguém ache uma sacola com 800 contos... Talvez seja a sua.
Com um traço de satisfeita ironia, o Garanhão fez mofa e deu o caso por resolvido. O vivaracho escafedeu-se, fulo da vida. Já o pequeno agricultor sem terra - no bom sentido - teve frouxos de riso, pois achou que a decisão foi daqui, ó! Da pontinha... Fim de caso. Decisão da Justiça não se discute; cumpre-se.
Adaptação de uma narração da "Seleta em Prosa e Verso".