Aquele ano não foi dos melhores para o Garanhão de Pelotas. Nas horas vagas, incorporava um dono de barzinho numa das galerias mais movimentadas da cidade. Era daqueles pequenos refúgios de comes & bebes, mais bebes que comes, encravado no coração do corredor que ligava duas das ruas mais eletrizantes do seu torrão natal.
Era, na verdade, só uma escala, um top spit, no projeto de turismo transcisplatino que estava engendrando já a caminho de Buenos Aires, Mar del Plata, Punta del Este, Piriápolis e - curvem-se ao destemor do Garanhão! - até Montevidéu.
As instalações do botequim eram acanhadas, seu frequentadores, não. Tomavam todas, comiam tudo e ainda queriam comer todas. Os moradores dos mais de 70 apartamentos que encimavam o boteco faziam ali, de segunda a sábado, o happy hour que ensandecia as moradoras.
Muito lar-doce-lar começou a ser desfeito a partir dali. A coisa tomou tal corpo que, volta e meia, saía um namorisco novo de um descasado recente com uma recém-descasada da galeria.
O Garanhão viu que o negócio, ainda que pequeno, não era dos piores. Tratou de cuidar da decoração. Tornou-o mais aconchegante, mais confortável. Um dia, uma dama de fino trato, ao sair do toalete onde fora recompor a maquiagem, segredou ao Garanhão: - Há um vazamento no teto do sanitário.
No outro dia, sem perda de tempo, o Garanhão telefonou para uma empresa de serviços hidráulicos. O bombeiro veio logo apagar o incêndio. Trabalhou por mais de duas horas e meia. Ao fim dessa agrura, colocou as ferramentas na maleta e dirigiu-se ao proprietário: - Senhor, não consegui encontrar o defeito. Vai ter que ficar assim...
O Garanhão, logo contratou os serviços de um remendão desses do tipo faz-tudo. O cara, em dois tempos, deu um jeito no estrago. Na hora de cobrar pelo atendimento, se contentou com duas latinhas de cerveja geladésima e uma porção de cubinhos de queijo e presunto gordo.
Dois dias depois, o nosso cavaleiro de fina estampa recebeu das mãos de um office-boy uma nota fiscal com ares de cobrança: R$ 50 por serviços hidráulicos prestados. Era da tal empresa que estivera antes por lá. O Garanhão não pagou nada e despachou o cobrador: - Pode ir pra loja, meu jovem. Vou falar com seu patrão.
Nem um minuto depois, estava ao telefone com Zé Dirceu, o dono da Hidráulica Áulica - Cano Garantido:
- E aí, Zé Dirceu, tudo bem?
- Tudo...
- Posso até te pagar aqueles R$ 50, mas quero te propor sociedade.
- Sociedade?
- É, quero abrir um negócio e ser teu sócio.
- Como assim?
- Estou pensando em montar uma empresa de não fazer nada; só de cobrança por serviços que a gente não sabe fazer...
Até cair a ficha de Zé Dirceu, o cobrador já tinha chegado à loja com a nota entre as pernas e o Garanhão já tratava de dar as instruções do dia para a turma da cozinha que o barzeco não podia parar.