27 de fev. de 2012

Baú do Jirau

Programa do Governo
(Esta saiu do Baú do Jirau - uma das alas do blog Sanatório da Notícia)
Segunda-feira, dia santo de guarda, na pele de um governista Garanhão de Pelotas, estava rente que nem pão quente, diante do rádio para meu encontro semanal e imperdível com o tradicional "Café com a Presidenta".

É o componente mais importante de um ritual que começa para mim invariavelmente com uma rápida navegada pelos jornais virtuais, "para colher a pauta do dia" extraída sempre da mídia pelo meu chefe no Ministério, cujo nome nem m passa pela cabeça, mas onde eu e ele ocupamos dois bons salários para não fazer nada.

É uma azáfama de inutilidade que se repete há bons nove anos, quase uma década, graças à minha carteirinha do PT que substituí por diplomas, currículos e aptidões para qualquer coisa, ou tipo de atividade.

O que não me passa pela cabeça - nem pense nisso! - não é o nome do meu chefe, isso eu tenho obrigação de saber; o que não me passa pela cabeça é o nome do Ministério.

Nunca ninguém me informou sobre esse pequeno detalhe e nem eu mesmo jamais me dei ao desplante de tamanha e tão impertinente curiosidade.

Depois da breve navegação, já de terno, colarinho branco com uma suspeita e rósea mancha de batom no colarinho, sinal da gandaia de sábado num já costumeiro coquetel para festejar a ascensão ou a queda de mais um ministro - eu nem me lembro bem, já que vodca me dá lapsos de memória - aprecatei-me para escutar o plano de poder semanal da momesca criatura, Dilma - A Primeira e Única.

Sim, plano. É que programa de governo mesmo, Dilma tem esse aí, de rádio e olhe lá!

Sorvendo o café que me foi posto em pratos limpos pela governanta do meu apartamento funcional na Asa Norte, aprumoei-me na confortável cadeira de espaldar alto, ao lado do aparelho radiotransmissor e inteirei-me do que deveria mandar meus subordinados mandarem seus inferiores fazer ao correr da semana.

Fiquei sabendo de tudo. Dilma falou, tá falado: O PAC desempacou; o Minha Casa Minha Vida é todo nosso; Luz para Todos já chegou e tem mais; O Brasil Sem Miséria existe e taí pra quem quer ver a vida com bons olhos; sim, Zé Dirceu e seus mensaleiros continuam soltos; Dilma hexa-campeã em perda de ministros caminha célere para a sétima, a oitava, a 15ª varredura de uma dessas heranças benditas que Lula lhe deixou.

Bom, pelo menos, o nome do meu querido ministro, o José da Silva, - todo governista terceirizado é José - não foi lembrado... Ainda.

Ah, sim, a presidenta está "consternada" com o incêndio na base brasileira da Antártica. Prometeu, inclusive, que vai mobilizar a Brahma e a Skol para retomar imediatamente as pesquisas. Não se pode desperdiçar gelo assim desse jeito... Água é vida!

Epa! Taí um bom título de projeto a ser lançado e terceirizado pelo "meu" Ministério. Projeto Água é Vida! Nunca antes na história desse país alguém pensou nisso. Pelo menos com esse nome - matutei, eufórico e cheio de pompa e circunstância, como nunca antes na minha história como Garanhão de Pelotas.

É por isso que eu não perco um "Café com a Presidenta". Sempre tiro alguma coisa que preste. Ela é bárbara! Tártara! Lança ideias e projetos assim ao léu, como se não estivesse dizendo e nem querendo nada.

E então, devidamente abastecido de notificações oficiais, Zé levantei-me, peguei os dois celulares, o cartão de crédito corporativo, assumi o comando de meu carro seminovo blindado e de chapa branca que por direito me cabe o uso e o fruto, ainda que modesto ocupante de um cargo em comissão de baixo es/calão dessa República dos Calamares, como são todos os chefes de gabinete ministerial. Acionei o controle remoto.

Pronto, o portão instransponível do prédio público que lm assegura a integridade física e moral de cada dia mal passado e cada noite bem dormida, abriu-se como uma porta de Sésamo para uma nova semana de sol radiante e de missões a cumprir.

Olhei meu Pateck Phillip (o rapa na Feira dos Importados sempre deixa um rescaldo para os aloprados mais atentos) que me ornava o pulso:

- Noossa! Quase 10 horas da manhã! Hoje a nossa presidenta se alongou demais no seu breakfast. Vou me atrasar para a reunião das 11 - pensei, sacudi a cabeça e saí cantando pneu pelo trânsito já descongestionado de Brasília.

Cheguei no meu gabinete. A secretária me informou que a reunião estava transferida para amanhã; bolas, o chefe estava gripado e acabara de cancelar todos os compromissos de hoje.

Cheio de mim, pela vacância eventual da chefia, tomeio os devidos ares de administrador-geral. Convocquei um rápido briefing com os 16 servidores terceirizados numa escala abaixo da minha e determinei, peremptoriamente, que ninguém tentasse criar qualquer novidade na rotina ministerial. Ninguém inventa nada, pô!

Todos deveriam esperar que o chefe se curasse da influenza com ares de pneumonia, ou coisa parecida. Que ficassem tranquilos, já que os primeiros diagnósticos do mal do chefe não tinham nada a ver com a epidemia de tumores incuráveis que grassa pela Esplanada e assola o nosso saudável governo.

E a segunda-feira correu normal. Às 11h30 saí para almoçar. Ás 15h eu já telefonava para os companheiros de terceirização combinando o happy hour de sempre, naquela mesma mesa, daquele mesmo bar-restaurante, onde a gente resolve os problemas da América Latina, da ONU e do mundo.

Do Brasil, claro que não se fala. Ninguém mais patriota que nós. Talvez, só o que desfralda essa bandeira como nome próprio. O Brasil para nós, não tem problema. Isso, a gente vai dizer amanhã, com todas as letras do novo acordo ortográfico para a mídia persecutória. A gente faz saber; saber fazer é besteira.

MORAL DA HISTÓRIA - Privatização, teu nome é terceirização.

25 de fev. de 2012

Pesadelo Classe Média Nacional

Acordei de uma noite em que era sócio do conglomerado Dirceu, Calocci & Consultores Republicanos Ltda. e, ainda sem despertar de verdade, tirei o pijama de R$ 38,90 que comprei outro dia no baratilho de um rescaldo das Lojas Pernambucanas por R$ 27,99 e entrei no box para tomar uma ducha num Corona, recém adquirido por R$ 32,30 em seis vezes no cartão, na Oba-Oba Miudezas Elétricas.

Levei cinco minutos exatos - que depois disso o medidor de energia dispara - enxuguei-me com uma toalha que surrupiei depois de um pernoite bem empernado de R$ 45 no Hotel Damasco Inn, ali nas bordas da Marginal do Rio Sujeira e escovei a terceira dentição com um resto do primeiro tubo de um conjunto de três dentifrícios Sorriso Branco e Franco que me custara exatos R$ 3,97 na promoção do dia nas Casas Bahia.

Cofiei os pelos pubianos - que um Garanhão tem que ter esses gestos - e fiz a barba com a quinta geração de uma lâmina amarela de um pacote de 10 unidades, adquirido no Carrefour por módicos R$ 6,35.

Matei no bar da esquina um café com leite, pão-dormido e manteiga, por suaves R$ 4,50, peguei meu possante carrinho Ford-KA completo, com um saldo pendurado de 52 prestações de R$ 622 e fui à luta.

Cheguei no escritório, uma sala de 24 metros quadrados e um vaso sanitário que me custam um aluguel de R$ 1.250, fora o condomínio e IPTU, água, luz e telefone e me prendi a fazer negócios pelo computador, um Intelbrás de 2009 financiado em 36 meses de R$ 33,50 que, felizmente, estará pago, morto e sepultado, no mês que vem.

Ao meio-dia, bateu agrura no meu estômago sensível e fui ao almoço-executivo no restaurante ali do shopping Mar de Fora. Paguei R$ 17 por quilo na balança, uma pechincha já que o custo real era de R$ 28,50 por cabeça, com direito a peixe tipo bacalhau já deslascado e tudo mais. Batata é que não faltava.

Dali fui ao médico oftalmologista. Um luxo, posto que não tenho plano de saúde, nem ligações de qualquer grau com o Sírio-Libanês e ainda acho que o SUS é para metalúrgicos de segunda e não para grandes miniempresários como eu. O prazer de dever para o Fisco só é comparável àquelas dores de dente insuportáveis.

Paguei na bucha, com cartão de crédito estourado - que vai me custar nada menos de 240% de juro por ano, até que o coloque em dia. Lá se foram R$ 200 por uma consulta que, em novembro do ano passado me custava R$ 150.

Saí enxergando a mesma coisa. Até que tenha grana para mandar aviar os óculos que já não cabem na minha velha armação redonda. A armação de R$ 190 está agora por R$ 287 à vista, ou R$ 320 no cartão, em três vezes. As lentes, Varilux ou coisa parecida, podem ser de R$ 95 para enxergar direitinho, ou então de R$ 480 para perceber o que me aparecer pela frente.

Nem voltei para o trabalho. Estava exausto. Na verdade, exaurido. Antes de chegar em casa, passei no supermercado. Sou viciado em sonhos de consumo. Namorei as prateleiras de vinho. Achei um Marquês de Riscal, meu cabernet espanhol preferido, em oferta: R$ 184 a garrafa. Peguei um Marquês de La Colina, por R$ 8,90.

Comprei pão integral, de barbada, por R$ 5,99 quando o seu valor verdadeiro seria coisa de R$ 7,20 mais ou menos. Aduzi às compras queijo-prato numa oferta de R$ 24 por quilo, quando o preço atual seria de, pelo menos, R$ 32; juntei ainda presunto gordo e sadio por inexplicáveis R$ 19 o quilo, ao invés dos tradicionais R$ 27. Queijo e presunto, aglomerados, resultaram-me num pacote de 200 gramas de sabor inigualável.

Ah sim, paguei R$ 4,80 num saco de um quilo de café Ouro Bendito que, normalmente, custaria R$ 8,90. Só vi que a validade do produto ia até apenas até o fim do mês quando cheguei ao doce aconchego de minha cozinha-americana. Saí de lá, paguei R$ 7 de estacionamento, uma barbada, posto que qualquer flanelinha cobraria de R$ 15 a R$ 20 para cuidar do meu KA completinho e sempre bem lavadinho.

Nem passei no bar daesquina. Pô, o cara tava cobrando R$ 12,50 por uma dose de Johnnie Red, sem choro. Preço de cabaré, cara! Por esse preço quero que a mulher do dono me leve pra casa. Fui direto para o meu lar, doce lar de solteiro convicto e compulsório. Casar com quem? De que sexo? Com que rabo, pô? Só pra daqui a dez, onze anos dizer que sou um barrigudo, careca, pai de filho?!? Melhor sofrer sozinho do que dever acompanhado.

Fiz um sanduíche que me custou por baixo, por baixo, uns R$ 3 pilas, tomei um café, fui para o banho rápido e sentei-me na cadeira de balanço com assento de palhinha que herdei de meu pai, velho e sério metalúrgico e, por isso mesmo, mal-sucedido que quase não morreu, coitado, porque não tinha onde cair morto.

Sintonizei o Jornal da TV. O noticiário político estava no quadro da polícia. A informação econômica do dia deu que o dólar caiu e a inflação oficial no Brasil é de 0,7%. Desliguei. Nem vi o Neymar botar a defesa do Corinthians na fila. Fui deitar.

Não dormi até agora. Já são seis horas da madrugada de um novo dia pelo horário brasileiro de inverno. Hora de enfrentar o trânsito na capital. Pelo menos não tive outro pesadelo - penso, antes de atirar o pijama no cesto de roupa suja.

MORAL DA HISTÓRIA - Se Luiz Erário da Silva escapar dessa luta em que está metido, em 2014 voto nele. Afinal, sou o Garanhão de Pelotas, como todo e qualquer brasileiro e, de vez em quando, ou sempre que é possível, até dá gosto ficar por baixo.