Tinha por parceiro de espera pela feijoada mais carioca daqueles anos em Brasília, um conterrâneo amigo velho, dos tempos de furar brincadeira e bancar o peru de banquete nas festas de aniversário lá em Pelotas, terra distante nas beiradas do Sul que vive a olhar de frente pro Norte.
O rio-grandino Golbery do Couto e Silva - modelo de Maquiavel que os dirceus de agora não conseguem imitar - acabara de soterrar o bipartidarismo.
Aí começou a tragédia do fisiologismo: o MDB já era PMDB, Brizola rasgara a ficha do PTB de Getúlio Dornelles Vargas e fundara o PDT, Tancredo idealizou o PP; a UDN virou banco de guardachuva e até o PT estava na praça, nascido já com o jeito que tem hoje.
Cinco, seis chopes depois, a espera dos dois amigos pelo feijão acabou caindo no caldeirão da política. O Garanhão, destituído de vocação partidária, era um livre atirador; politizado por implicância, sua veia política era o conduto à anarquia - no bom sentido.
Já seu amigo do peito era um chato de galocha. Um petista militante. De carteirinha que, a bem da verdade, naquelas priscas, não tinha o valor de um diploma como tem hoje.
O Garanhão não podia perder aquela chance. Tomou mais um golaço de chope, mordiscou um torresminho e provocou:
- Eu sou de direita...
- E eu sou esquerda e sei por quê... Tu sabes por quê és da direita?
- Tchê, meu pai é de direita, meu avô era de direita, meu bisavô foi de direita. Então, eu sou de direita!
- Ah, é hereditário, é?... E se o teu pai fosse um idiota, teu avô um idiota e o teu bisavô um idiota?!?
- Bom, nesse caso, eu seria de esquerda... Seria um PT bem assim que nem tu!
Nesse momento solene chegou o garçom com a feijoada completa, mais nobre e mais carioca de Brasília. Os dois comeram e beberam até às cinco da tarde. Sem trocar uma só palavra.
MORAL DA HISTÓRIA - Falar de boca cheia é falta de educação. Mesmo com sotaque de gaúcho.