Como, naqueles bons tempos, o serviço militar era obrigatório para todo e qualquer varão brasileiro que chegasse aos 18 anos de idade, o Garanhão de Pelotas foi cumprir com seu dever cívico: servir à Pátria. Nem de longe sonhou em escapar da farda.
Não alegou, como era costume dentre os filhos das elites, doença no pulmão nem pé-chato, muito menos isso, marca de qualquer lhegalhé, filho de ralé. O Garanhão tinha berço, era egresso da nobreza, não se tratava de nenhum berdamerda.
Para ele, embora não confessasse pra ninguém, o quartel era a sua primeira grande experiência longe das saias da mãe. Mais tarde ele reconheceu que foi na caserna que aprendeu os primeiros passos da própria independência.
Adaptou-se à vida da caserna. Guardou os coturnos sob encomenda na mochila; cumpria as ordens de comando de cabos e sargentos até a majores e coronéis. General, ainda não tinha nenhum por aquele Regimento de Infantaria.
Com arte e manha, conseguia manter a sua pose de nariz chimbé. Olhava - embora disfarçadamente - os seus compulsórios superiores com olhar superior também que, afinal, era um recruta de linhagem, não era um mocorongo que precisasse da bóia insossa do rancho e nem tampouco se prestava a serviços de mandalete.
Num quartel tem de tudo. Ele precisou de pouco tempo para identificar um cabo de caserna, desses feitos a martelo que, por antiguidade, ascendem à patente de cabo. Era um macaco velho, sempre precisado de grana e que, pelos anos de casa, sabia que duas divisas bastavam para meter medo em cada nova geração de recrutas.
Tinha o mau e lucrativo hábito de pedir dinheiro emprestado para sempre aos aprendizes de soldado. Não pagava nunca as contas. Dívida, ele botava no prego.
Não pagava, mas mantinha o ar de comando sempre que falava com os subalternos; guardava distância, que respeito é bom e todo mundo gosta.
Eram propinas tão pequenas que, no particular, não chegavam a doer no soldo de ninguém. Mas, no varejo, era um ótimo negócio: aquele Regimento tinha dois batalhões, com mais de mil recrutas cada um. Um cruzeiro - moeda de então - por cabeça dava um salário maior que o soldo dos quatro coronéis que mandavam no quartel.
Um dia, assim de passagem pela avenida central do quartel, o cabo pedinchão exigiu continência do recruta Garanhão e já foi lhe perguntando com voz de quem manda:
- Soldado, você tem um cruzeiro pra me emprestar?
- Tenho sim, peraí...
- Tenho sim, peraí... Isso é jeito de responder a um superior?!?
- Hein?...
- Hein, não! Cabo é cabo, soldado é soldado. Pra você eu sou senhor, senhor cabo!
- Ah sim... Senhor.
- Agora melhorou. Então, você tem ou não tem um cruzeiro pra me emprestar, soldado?
- Não, não tenho... Senhor cabo!
O Garanhão bateu continência, deu meia volta e volveu rumo à Sargenteação onde prestava serviços burocráticos a sua Companhia de Comando do 2° Batalhão de Infantaria. Livrou-se do assédio do cabo propineiro até o fim do ano, quando expirou o seu tempo de Exército. É até hoje reservista de primeira categoria.
MORAL DA HISTÓRIA - O Garanhão aprendeu ali que o menosprezo pela autoridade quebra a hierarquia e pode ser o princípio das revoluções.