5 de jan. de 2011

Dia de outono no elevador

Meio de semana, hora de expediente no Edifício Itatiaia, no coração da Rua XV de Novembro, em Pelotas. Os dois elevadores de médio porte estavam apinhados. O Garanhão de Pelotas, num de seus papéis mais pobres, o de Gozador Escrachado da sociedade, observava o movimento da calçada defronte. As pessoas faziam bicha de espera diante dos ascensores.

O Garanhão, sem nada para fazer, resolveu dar alegria a mais uma manhã pirão-sem-sal daquele finalzinho de outono. Jogou a bagana do último exemplar do seu maço de Colúmbia na sarjeta e entrou na bicha - eis que entrar na fila em Pelotas é herança portuguesa.

Paciente e com ar circunspecto, esperou a sua vez de tomar o elevador. A pequena viagem aos muitos andares do prédio iniciou com uma dúzia de pessoas. Elas se acotovelavam da maneira mais gentil possível, umas respeitando os lugares das outras. O Garanhão foi um dos últimos a entrar. Quase dava com o nariz na porta.

Lá pelo terceiro piso começou o entra-e-sai, o sobe-desce. Desceram dois, subiu mais um. Naquele cubículo ascensor tinha de tudo: um eletricista, dois advogados, um médico, contador, secretária-executiva, psicóloga...

No quarto andar, o Garanhão perpetrou, silenciosa e cruelmente, o seu plano malévolo. Deixou escapar do seu mais recôndito espaço anatômico, o mais espúrio e infectante odor que armazenara da sua noitada de lorde falido, herança bendita - como se de Lula fosse - à base de churrasquinhos de gato e muita cerveja.

O mal se disseminou com as dimensões de um holocausto pelas narinas desprevenidas daqueles pobres passageiros da agonia. Todos se entreolhavam, já com desprezo e desconfiança. O Garanhão foi o primeiro a se manifestar. Revelando sua mais veemente indignação, apertou o botão de emergência e, quando a porta se abriu, ele pulou fora no sexto andar mesmo. Com um olhar fulminante, atingiu a todos que insistiam em seguir viagem, armando um barraco:

- Onde já se viu fazer uma coisa dessas? Um porcalhão assim merece é uma, uma... uma rolha bem grande no... na bunda!

A porta do elevador ia se fechando quando o Garanhão de Pelotas, ainda ouviu lá no fundo, uma vozinha fina e delicada esganiçar-se, saindo do fundo do peito de uma bichinha atrevida de olhos revirados, quase em êxtase:

- Oi, bofe! Não fui eu... Mas, se você quiser, assumo toda a responsabilidade!

O Garanhão desceu pelas escadas e, ao chegar no térreo, teve que estancar o riso para não ser tido como maluco pela turma que engrossava mais uma bicha de espera pelos lentos e concorridos elevadores do Itatiaia. Pronto, o outono daquele dia já não era tão sem graça, nem tão monótono quanto tinha começado.

RODAPÉ - A múltipla personalidade do Garanhão de Pelotas, faz com que ele passe por momentos degradantes como esse. É um herói que, de quando em vez, perde as suas batalhas. Mas, não abandona a guerra. Para ele, a luta continua, companheiro! A própósito, no dialeto de Pelotas, sarjeta é vala de passeio público; bicha é fila de espera; Colúmbia foi um cigarro de rico; pum é odor infectante.