Meio de semana, hora de expediente no Edifício Itatiaia, no coração da Rua XV de Novembro, em Pelotas. Os dois elevadores de médio porte estavam apinhados. O Garanhão de Pelotas, num de seus papéis mais pobres, o de Gozador Escrachado da sociedade, observava o movimento da calçada defronte. As pessoas faziam bicha de espera diante dos ascensores.
O Garanhão, sem nada para fazer, resolveu dar alegria a mais uma manhã pirão-sem-sal daquele finalzinho de outono. Jogou a bagana do último exemplar do seu maço de Colúmbia na sarjeta e entrou na bicha - eis que entrar na fila em Pelotas é herança portuguesa.
Paciente e com ar circunspecto, esperou a sua vez de tomar o elevador. A pequena viagem aos muitos andares do prédio iniciou com uma dúzia de pessoas. Elas se acotovelavam da maneira mais gentil possível, umas respeitando os lugares das outras. O Garanhão foi um dos últimos a entrar. Quase dava com o nariz na porta.
Lá pelo terceiro piso começou o entra-e-sai, o sobe-desce. Desceram dois, subiu mais um. Naquele cubículo ascensor tinha de tudo: um eletricista, dois advogados, um médico, contador, secretária-executiva, psicóloga...
No quarto andar, o Garanhão perpetrou, silenciosa e cruelmente, o seu plano malévolo. Deixou escapar do seu mais recôndito espaço anatômico, o mais espúrio e infectante odor que armazenara da sua noitada de lorde falido, herança bendita - como se de Lula fosse - à base de churrasquinhos de gato e muita cerveja.
O mal se disseminou com as dimensões de um holocausto pelas narinas desprevenidas daqueles pobres passageiros da agonia. Todos se entreolhavam, já com desprezo e desconfiança. O Garanhão foi o primeiro a se manifestar. Revelando sua mais veemente indignação, apertou o botão de emergência e, quando a porta se abriu, ele pulou fora no sexto andar mesmo. Com um olhar fulminante, atingiu a todos que insistiam em seguir viagem, armando um barraco:
- Onde já se viu fazer uma coisa dessas? Um porcalhão assim merece é uma, uma... uma rolha bem grande no... na bunda!
A porta do elevador ia se fechando quando o Garanhão de Pelotas, ainda ouviu lá no fundo, uma vozinha fina e delicada esganiçar-se, saindo do fundo do peito de uma bichinha atrevida de olhos revirados, quase em êxtase:
- Oi, bofe! Não fui eu... Mas, se você quiser, assumo toda a responsabilidade!
O Garanhão desceu pelas escadas e, ao chegar no térreo, teve que estancar o riso para não ser tido como maluco pela turma que engrossava mais uma bicha de espera pelos lentos e concorridos elevadores do Itatiaia. Pronto, o outono daquele dia já não era tão sem graça, nem tão monótono quanto tinha começado.
RODAPÉ - A múltipla personalidade do Garanhão de Pelotas, faz com que ele passe por momentos degradantes como esse. É um herói que, de quando em vez, perde as suas batalhas. Mas, não abandona a guerra. Para ele, a luta continua, companheiro! A própósito, no dialeto de Pelotas, sarjeta é vala de passeio público; bicha é fila de espera; Colúmbia foi um cigarro de rico; pum é odor infectante.