20 de abr. de 2012

Caim, o primeiro Robin Garanhão da Terra

Naquele entardecer divino, ao Leste do Éden, sem mais o que fazer, estava Adão a cofiar placidamente seus pelos pubianos, mirolhando Eva trocar pela terceira vez naquele dia a mesma folha de parreira, quando Caim chegou aos prantos e aos gritos de uma dor que parecia lancinante:

- Matei Abel! Matei Abel!...
- Bandido, mataste teu irmão?! - bradou furioso o seu pai.
- Ó tu, malfeitor! Mataste teu único irmão! - choramingou Eva.

E, para que a história oficial da vinda da primeira grande família para a Terra não sofresse solução de continuidade, Caim se explicou, antes de dar no pé e ninguém, nunca mais ter notícias dele:

- Mãe, mãezinha; pai, paizinho... Olhaqui, a gente tava brincando de luta. De Batman e Robin. Eu cai por baixo de Abel. Tentei me livrar, mas ele... Ele... Ele me comeu, pô!

Adão olhou para Eva, com cara de quem já tinha avisado que aquele tipo de brincadeira sempre acaba em rompimento de, rompímento de, de... Bolas, a vida é um buraco!  Desligou-se daquela mazanza e virou-se para excomungar o filho que sobrou:

- Viado! Robin!
- Viado, um cacete, meu pai. Peguei uma pedra e esborrachei a cabeça dele!

E mais não disse. Com uma lágrima de dor e outra de saudade, saiu em desabalada carreira rumo a lugar nenhum. Nunca mais viu os pais. E nem sequer, viu o sorriso luxurioso, cheio de raiva e de orgulho que se abria na cara de Adão.

MORAL DA HISTÓRIA - Caim pode ter sido o primeiro viado, mas não o primeiro malfeitor. Adão já era bem pior que ele. Começou traçando a própria irmã. Foi o primeiro Serial-Malefactor da História Oficial da Humanidade: passava o dia inteiro fazendo malfeito com a incansável e dadivosa Eva.

RODAPÉ - Milhares e milhares de anos depois Caim fixou residência no princípio do Cone Sul do Mundo. Virou garanhão daquelas redondezas, mas quando isso se deu, já era um pouco tarde.

11 de abr. de 2012

Festa de Formatura

Tamerda! Eu também sou avô! Sou gente, apesar de Garanhão de Pelotas! Gente que sente. Por exemplo, quer saber? Meu neto, primeiro e único, se forma na segunda-feira, na UnB, em Brasília; diploma-se com louvor em Publicidade e Propaganda. Publicitário, enfim, que nem seu avô!

E então, no domingo vai ter festa aqui no nosso solar. Churrasco de carnes brancas e vermelhas; mal-passadas e ao ponto; de costela gorda e picanha maturada; de beliscatessens a chimarrão e muita, muita caipirinha, acompanhada de "cacetinhos" recheados de cebola, tomate e linguiça de porco e de rês cortada a facão.

E aí, nessas vésperas, eu telefono então para um velho e bom amigo de bancos escolares, hoje médico dos melhores - daqueles que já não fazem mais -  e lhe conto a boa nova: meu neto vai sair ao vô, levará a vida numa boa, comendo de tudo e comendo todas; criando slogans e lançando marcas de fazer sucesso e ganhando as graças de vendedores e compradores, de homens e mulheres e de todos e tudo mais, comendo cada um, muito juntos num swing sociocomercial sem tamanho e sem nenhum prazo de validade.

Foi quando ele, o meu amigão de infância, me disse, com a alegria comedida e saudável dos bons médicos que, claro, estaria na festa, com muito prazer, muita birita, comes e bebes e coisa e tal, comme d'habitude. Mas... Mas que eu esperasse só um pouquinho que ele logo me confirmaria a vinda ao ágape, ao regabofe, à churrascada, pô! Ou não.

E mais não disse, porque mais não lhe perguntei. Dois dias se foram. E hoje, sexta, antevéspera da festa, ele me liga. E eu vou ao celular. Ele diz que não. Que não viria à festa de formatura do meu neto.

- Fala, guri medonho... - disse-lhe eu.- Garanha, escutaqui... Talvez eu não possa passar por aí no domingo...
- Tá bom, qual é a desculpa da vez?
- Nada demais. É que, na segunda eu vou me operar.
- Quiéisso Guri, te deu nó nas tripas, água no joelho, assim de repente?
- Não. Besterinha: um câncer na próstata.
- Te explica, melhor, cara. Eu não entendendo nada de proctoculogia...
- Nem precisa. Deixa que eu te diga: apareceu um câncer nas reberbelas das interlas do meu esfíncter.
- Que bosta, cara. Isso lá é jeito de escapar de um domingo? A carne é boa, a alma é fraca, a bebida é fortíssima...
- Sei, sei, mas não é desculpa, não. Tô mesmo com câncer na próstata. Era pra ter me operado ontem, mas meu médico foi pros Estados Unidos e só volta manhã.
- Estados Unidos... Nessa hora?!?
- Fica frio, cara. O real tá mais forte que o dólar lá fora. A hora é esta...
- Uma porra que a hora é esta!.. Meu neto tá se formando. A banda de rock bem-comportado dele vai até tocar aqui no solar, neste domingo... E outra coisa, carinha, há 30 anos que eu faço massagem entre o escroto e as pregas nos meus banhos diários... E não tenho isso. E olha que eu não sou médico, amigão.
- Pois eu não fiz. Tô com o bicho-da-seda no buzafan.
- Tá, guri. Tá. ... Deixa eu te dizer uma coisa. Nem sei se quero mais que você venha ao churrasco aqui em casa, ou que o seu médico americanizado marque a cirurgia pra segunda-feira...
- Você decide... Mas brigado pela dúvida.
- Tá. Quero que você se opere na segunda, de manhã. À tarde estarei aí, no hospital. Vou pra marcar o churrasco de domingo da outra semana. Vamos comemorar os 10 ou 15% de temporada por esse mundão que nos espera.
- Combinado. Segunda-feira, à tarde, te aguardo por lá. No outro domingo, vamos encher o cu de carne e celebrar a vida bebendo estrelas com dom Pérrigón...
- Champanhe uma porra! O Chivas Reagal é por minha conta.

E, porque hoje é sábado e há a perspectiva de domingo, desliguei o celular. Vou ao churrasco de domingo, ao hospital na tarde de segunda-feira e à festa de entrega do diploma a meu neto nessa mesma segunda e, no domingo que vem, com o meu amigo, vou celebrar a vida de verdade.

MORAL DA HISTÓRIA - Câncer é uma coisa que contagia nessa República dos Calamares. Pega até os nossos amigos de infância. Mas não mata a identificação desinteressada e sincera de dois amigos que atravessaram a vida como se a prórpía vida soubesse envelhecer.