Até um Garanhão como eu pode ter sua porção hipocondríaca. Pois, durante bom espaço dos meus anos, eu fui um daqueles adoecidos sisudos, de ar preocupado. Um hipocondríaco daqueles convictos, quase malucos de tão líquidos e certos.
Por isso mesmo eu era portador de uma doentia e incurável desconfiança nos diagnósticos médicos. Sempre comprovava o resultado de um consulta. Procurava pelo menos mais dois especialistas sobre os meus sintomas da vez.
Urologistas, nunca foram menos de três; clínicos gerais, de dois a quatro por qualquer indisposição; otorrinos, eram menos, só dois; neuros, endocrinos, psiquiatras se quedaram perdidos em minhas contas.
Quando me senti quarentão, desconfiei da próstata. Fui com a cara, a coragem e com tudo para o tão difamado exame de toque. Fui. E sei-lá, senti uma coisa assim diferente que me fez procurar logo outro proctologista, mesmo sem saber o resultado da primeira grande prova da farinha.
Logo lá estava eu, deixando-me imolar pelo esfíncter uma vez mais. E sem que me desse conta, cinco dias depois, eu sentia o dedo da melhor pesquisa anatômica fazendo furor no que havia de mais profundo à flor de minha pele.
Assim é que, com o maior prazer de um desconfiado, fui acumulando comprovações de laudos e mais laudos. Dali em diante, passei a perambular de mão em mão, a andar de dedo em dedo atrás da comprovação dos diagnósticos. Minha vida virou um inimaginável toque e toque.
Andar na ponta dos dedos para mim virou rotina. Gasto uma grana com tanto teste, mas levo numa boa, afinal a saúde assim me custa caro, mas compensa. Como compensa!
Tá bom, eu sei, o meu caminhar já não é o mesmo, mas a minha felicidade tem uma saúde de ferro. Outra coisa: tudo não passou disso mesmo. Um dedo por vez já tá mais que bom para essa moléstia de fundo telúrico.
MORAL DA HISTÓRIA - Para um garanhão hipocondríaco, a vida só vale a perna ser vivida quando ela é profundamente saudável.