Que maus bofes! Era como se eu tivesse brigado com o cara que inventou o circo, ou com o autor do carnaval, ou aquele que descobriu a alegria. Eu reclamava de tudo, de todos; por tudo, por nada. Era quando eu endurecia e perdia a ternura.
E nem precisava de motivo para ficar neurastênico. Bastava, por exemplo, não ter dinheiro no bolso. Pronto, lá estava eu de bronca com os deuses e todo mundo. Vejam só o tamanho da minha neurastenia: ficar irritado por falta de grana... Isso lá é motivo de irritação para um brasileiro que se preza? Porra, dinheiro é bosta! Qualquer ladrão tem.
Mas sei lá, eu me encanzinava, chutava o balde, a vaca e o pau da barraca só porque a mão, às vezes, era maior que o bolso. Besteira. Dinheiro é coisa de político. Pessoas nem sabem o que é isso.
Sabe duma? Mais que falta de dinheiro só duas coisas me estragavam o fígado, me deixavam doente: uma era estar sem trabalho, outra era estar trabalhando. Mas, como disse um santo fanático ao ver lá de cima a Terra girar: - O mundo é uma bola.
Pois não é que é? E rola.Foi assim que um dia – desempregado e deixando a vida me rolar - me irritei e resolvi ser patrão de mim mesmo. Me empreguei a fundo e montei um daqueles trailers de hot dog, cheio de bossas americanizadas, posto que se assim não o fossem se chamariam reboques de cachorro-quente. Não mais abrasileirados que isso.
Irritado por não ter dinheiro, tomei uma graninha emprestada num desses bancos de intermediação de negócios de ocasião e investi na idéia de que todo mundo é chegado num lanche de beira de calçada.
Irritado pela humilhação de me endividar para trabalhar, avisei meia-cidade que no próximo fim de semana eu e minha banca de fast food estaríamos na batalha, ali na esquina da praça central.
Dito isto, dito e feito. Fui com tudo. Não foi ninguém.
Já noite alta, o telefone tilintou dentro do trailer. Era minha mãe querida:
- Garanhão, meu filho, como foi a estréia. O movimento foi bom?- Uma bosta, mãe! Tô aqui parado, sozinho; sem nada pra fazer... Uma bosta!
Atendi ao apelo de seu condoído coração materno para que eu fosse descansar um pouco “que amanhã é outro dia”. Fui. Dormi irritado. Acordei e fui à luta- que “não podemos se entregar pros home, de jeito nenhum, amigo e companheiro”.
Por volta de sete, sete e pouco da manhã de sábado reabri aquela espécie de gazebo de inspiração ianque, santuário moderno “dos melhores e mais baratos lanches da praça”.
Lá pelas dez da noite, o telefone tilintou em replay ao que sucedera no dia da malfadada estréia. Atendi:
- Pai?
- É. É o seu pai, meu filho. Como tá indo o negócio aí?..
- Uma bosta, pai! Isso aqui tá uma bosta!
- Não apareceu ninguém, Garanhão?
- Tá cheio de gente, pai. Uma bosta, não paro de trabalhar desde manhãzinha.
- Então tá bom, né filho?
- Bom, uma bosta! Amanhã mesmo vou passar esse negócio adiante...
- Mas, meu filho...
- Pai, se eu não passar adiante, fecho essa bosta pra sempre. Não sou burro nem nada pra trabalhar desse jeito!
MORAL DA HISTÓRIA – Os outros vícios empurram o ânimo; a irritação os atira para longe.