6 de jan. de 2012

NEURASTÊNICO

Quando eu me atacava das lombrigas, quando me dava na telha, ninguém era capaz de ser mais intragável do que eu.

Que maus bofes! Era como se eu tivesse brigado com o cara que inventou o circo, ou com o autor do carnaval, ou aquele que descobriu a alegria. Eu reclamava de tudo, de todos; por tudo, por nada. Era quando eu endurecia e perdia a ternura.

E nem precisava de motivo para ficar neurastênico. Bastava, por exemplo, não ter dinheiro no bolso. Pronto, lá estava eu de bronca com os deuses e todo mundo. Vejam só o tamanho da minha neurastenia: ficar irritado por falta de grana... Isso lá é motivo de irritação para um brasileiro que se preza? Porra, dinheiro é bosta! Qualquer ladrão tem.

Mas sei lá, eu me encanzinava, chutava o balde, a vaca e o pau da barraca só porque a mão, às vezes, era maior que o bolso. Besteira. Dinheiro é coisa de político. Pessoas nem sabem o que é isso.
Sabe duma? Mais que falta de dinheiro só duas coisas me estragavam o fígado, me deixavam doente: uma era estar sem trabalho, outra era estar trabalhando. Mas, como disse um santo fanático ao ver lá de cima a Terra girar: - O mundo é uma bola.
Pois não é que é? E rola.

Foi assim que um dia – desempregado e deixando a vida me rolar - me irritei e resolvi ser patrão de mim mesmo. Me empreguei a fundo e montei um daqueles trailers de hot dog, cheio de bossas americanizadas, posto que se assim não o fossem se chamariam reboques de cachorro-quente. Não mais abrasileirados que isso.

Irritado por não ter dinheiro, tomei uma graninha emprestada num desses bancos de intermediação de negócios de ocasião e investi na idéia de que todo mundo é chegado num lanche de beira de calçada.

Irritado pela humilhação de me endividar para trabalhar, avisei meia-cidade que no próximo fim de semana eu e minha banca de fast food estaríamos na batalha, ali na esquina da praça central.

Dito isto, dito e feito. Fui com tudo. Não foi ninguém.

Já noite alta, o telefone tilintou dentro do trailer. Era minha mãe querida:
- Garanhão, meu filho, como foi a estréia. O movimento foi bom?
- Uma bosta, mãe! Tô aqui parado, sozinho; sem nada pra fazer... Uma bosta!

Atendi ao apelo de seu condoído coração materno para que eu fosse descansar um pouco “que amanhã é outro dia”. Fui. Dormi irritado. Acordei e fui à luta- que “não podemos se entregar pros home, de jeito nenhum, amigo e companheiro”.

Por volta de sete, sete e pouco da manhã de sábado reabri aquela espécie de gazebo de inspiração ianque, santuário moderno  “dos melhores e mais baratos lanches da praça”.

Lá pelas dez da noite, o telefone tilintou em replay ao que sucedera no dia da malfadada estréia. Atendi:

- Pai?
- É. É o seu pai, meu filho. Como tá indo o negócio aí?..
- Uma bosta, pai! Isso aqui tá uma bosta!
- Não apareceu ninguém, Garanhão?
- Tá cheio de gente, pai. Uma bosta, não paro de trabalhar desde manhãzinha.
- Então tá bom, né filho?
- Bom, uma bosta! Amanhã mesmo vou passar esse negócio adiante...
- Mas, meu filho...
- Pai, se eu não passar adiante, fecho essa bosta pra sempre. Não sou burro nem nada pra trabalhar desse jeito!

MORAL DA HISTÓRIA – Os outros vícios empurram o ânimo; a irritação os atira para longe.