Gilfredo Rodrigues Renck
Fonte para o Blog: Prof. Rubens Reis Freitas
É bíblica a expressão “Tudo tem um tempo certo”. Que grande verdade. Ouso afirmar que, num pretérito de trinta anos, jamais lavraria essa crônica. Só em falar nos lupanares, já era feio; freqüentá-los, um atentado ao pudor. Afinal, que termo pomposo é esse? Trocando em miúdos, eram os tradicionais cabarés, prostíbulos, bordéis, pensões e outros sinônimos, não menos honrosos, os quais marcaram época na vida de tantos libertinos de outrora, como este “réu confesso”
Conta a história que o meretrício em nossa cidade instalou-se do início da então Rua 3 de Fevereiro (hoje Major Cícero) e na Rua 16 ( atual Doutor Cassiano) nos Três quarteirões centrais. Segundo os remanescentes, concentrou-se ali um grande número dessas casas (ditas de tolerância), algumas, inclusive, de proprietárias francesas russas e etc. onde os devassos iam ao encontro de música, orgia, sedução e prazer com as cognominadas “mulheres-da-vida”.
Porém, o crescimento urbano passou a constrangê-las, pois seu ramo de negócio exigia discrição, em especial dos ‘habitués’, muitos deles provectos senhores da alta sociedade. Assim, os ‘rendez-vous’(no bom francês) mudaram-se para diferentes pontos da cidade, desmerecendo a honradez da Princesa do Sul, sempre com foros de aristocracia e de intelectualidade."Agora ali é uma casa de mulher á toa”, cochichavam as fofoqueiras.
Com o tempo, porém passavam a querê-las bem. “Não há vizinhos melhores”, diziam, depois, a uma só voz. Queixas, sim, aos fregueses, pois saíam fazendo algazarra, mictando nas portas, buzinando e acelerando seus veículos altas horas da madrugada, quando não brigavam.
Segundo um passar d’olhos na memória, presume-se que existiam de quarenta a cinqüenta antros nos anos de 1960 a 1980, todos preservados no relicário das lembranças afetivas. Por que tantos? È Fácil entender. As profissionais do sexo existem desde a Grécia antiga e ignorá-las significa, por si só, ser ignorante.
Contudo, cerceadas por conceitos morais da família, os rabo-de-saia pegavam as malas e migravam para outras cidades, com a falsa ilusão de ganhar a vida. Aditavam um nome-fantasia, tomava um banho de butique e passavam a “fazer ponto” ( esse era o termo consagrado) nas casas noturnas, passando a rotular-se garotas-de-programa. E ferro na boneca....
Quanto á seleção, o critério era universal: rosto bonito, corpo esbelto, desinibição, alto poder de sedução.
Face a isto, nossos redevus tinham certa classificação, indo das bocas de luxo ás do lixo; ou das finesses ás espeluncas, onde ao deitar-se a vítima encontrava muquirana na cama e nas cobertas. Sarro era indagá-las sobre o por quê de terem se prostituído. As desculpas eram as mais deslavadas."Fui escorraçada de casa, quando um cara me fez mal" - alegava a maioria.
Ou, “meu marido me traiu com outra e, só por desaforo, resolvi cair na vida”. E, ainda: "Eu vim enganada, sem saber que era assim “
Em verdade, elas eram piranhas por índole e, quando sexies, usavam a volúpia da carne com fonte de sobrevivência em meio a alegria, vícios, êxtase e luxúria, mas cientes de que os seus dias de glória eram contados.
Muitas, hoje, são esposas fiéis e mães exemplares. Belos exemplos de que sempre é tempo de recomeçar a vida com dignidade.
Pitoresco mesmo era o vocabulário da sexualidade. Michê (ou instante) era dar uma rapidinha. Já o ‘pouso’ era ficar o resto da noite.
Até à consumação do ato, o freguês ficava de castigo, excitado, esperando a vez, em quanto a pilantra, com voz melosa, pedia-lhe “paga outra cuba pra mim bem?! “E o cachê? Bem, naquela época para “ficar” tinha que pagar.
Hoje "fica-se” sem pagar nada e na própria casa dos pais. Já nas espeluncas, "afogava-se o ganso” a troco de banana. Mas o barato sai caro e, não raro, era preciso injetar dose cavalar de 914 ou outras "cilinas” da vida.
Muitas damas-da-noite serviam também,como damas-de-companhia a respeitáveis homens-de-negócio em viagens de representação. Não se pode esquecer o atendimento a domicílio: privilégio dos que tinham os memoráveis ‘châteauxs’: um motel particular. Estes clientes preferenciais davam-se ao luxo de parafrasear Manoel Bandeira no poema Passárgadas, o qual diz "... lá sou amigo do rei, terei a mulher que eu quero, na cama que escolherei”.
Ainda redesenhando imagens, lembremos o leão-de-chácara: responsável pela segurança. Eram fortes e maus quando preciso, mas solícitos e amigos. Sempre de bem com a vida estavam os “gigolôs”. Eles só chegavam para recolher a Féria (conquistada com o suor e cerveja) por suas ‘amadas-amantes’.
Que saudade das cafetinas. Elas eram hábeis na intermediação dos encontros amorosos e sempre diziam-nos: “Chegaram umas gurias novas de faculdade!”
E os coronéis? Esses sim eram venerados pela conta bancária polpuda. Quando batiam á porta, rolavam suspiros apaixonados em mil carícias. Um eldorado de cifras e sonhos. Bem ao contrário, eram os ‘cuspidores. Eles só iam fazer número, dar comida aos olhos e curtir o ambiente, mas nunca chegavam na couve....
Por último, as ‘gerentas’: compreensivas e simpáticas. Tinham paciência de Jô. Muitas só as vemos em molduras ovais; contudo, os contemporâneos subscreverão sorrindo esta reverência- imortalizada na lousa dos nossos corações.
Teste, agora sua geografia: Turca (mais tarde Izolda), Ivone, Suzana Rica, Sarita, Anita, Maria Odete, Iolanda, Sara, Carminha, Manuela, Izaura Preta, Mariazinha, Suzana Pobre, Ivete, 71, Casa Branca, Estância, Chacrinha, Colvara, Gavina, Libino, Maria-das-Tetas, Inferninho, Diamantina, Jackeline, Izabel, Sapo, Pé Sujo, Conceição, Vila Euclides, Délia do Bastião,Tereza, Gessi, Dora, Celedônia, Morena, Izaura Branca, Nóca, Ilma, Corredor, Tecla, Marília, Geny, Marli e, para fechar com chave de ouro, as casas que mantinham ‘dancing’: A Idê, Mil e uma noites e Tânia.
Por fim, com as escusas aos pretensos moralistas, é válido lembrar que, mesmo em tempo de apagão, àquelas luzinhas vermelhas estão voltando. E como.....
Gilfredo Rodrigues Renck
Educador do Cefet-Rs
RODAPÉ - A Julinha, vizinha da Carminha, defronte a Oficina Medina quer o endereço eletrônico do professor Gilfredo... Só para protestar pelo ostracismo. O Garanhão de Pelotas, lança um desafio à memória do autor da matéria: - Citar pelo menos 10 bandas daquelas priscas eras. Pode ser orquestra ou conjuntos melódicos. Detalhe: Jazz Estrela e Orquestra do Maestro Rochinha, não vale. Mais adiante, um bom teste também é a relação de chatôs só pra homem... O Garanhão já adianta dois: Miloca e Clube da Chave.