Escorou-se no balcão de negócios e, sem perda de tempo, despachou com quatro ou cinco corretores, autorizou num só lance a venda da Casa Americana e da boate O Sobrado - quem comprou foi o Amir Cury - alugou para terceiros a Galeria Central, arrendou para o clã dos Manta o antigo Hotel Aliança e mandou o delegado mais próximo prender o prefeito da cidade.
Dois cafezinhos mais tarde rumou para o consultório do Dr. Garanhão de Pelotas, um ortopedista que encarnava, de quando em vez, no personagem central de todos os casos que acabaram dando origem a este blog, já que nosso herói tem o dom da ubiquidade e dezenas de personalidades. Nada a ver com a esquizofrenia que povoava o mundo de Maneca.
Recém-saído do Aquário, Maneca chegou num pulo ao consultório do - para este caso - conceituado médico. Nem quis saber quem, nem quantos tinham preferência de atendimento, abriu a porta do gabinete e foi entrando.
- Ei, ei, Maneca peraí... - espantou-se o Dr. Garanhão.
- Quiéisso, doutor, tá me estranhando? Sou o Maneca Aguiar e tô com pressa!
Para evitar dor de cabeça, Dr. Garanhão prontificou-se a atender o espivitado visitante. Com um sinal que pedia uma cúmplice condescendência à clientela que aguardava na ante-sala, permitiu que Maneca Aguiar passasse à frente de todos.
- O problema é o seguinte, doutor - quis discursar o desatinado.
- Tira a camisa, Maneca - ordenou-lhe o médico.
- Mas doutor...
- Tira a camisa!
Maneca sentiu os cutupicos. Tirou. Doutor Garanhão passou a examiná-lo minuciosamente.
- Diga 33.
- 33...
- Outra vez. Três vezes 33.
- 33... 33... 33.
- Tá bom. Tira as calças.
- ?!?...
- Isso, tá bom. Vira de bruços.
Maneca virou. E o Garanhão se virou: tacou-lhe logo na nádega mais à mão uma enorme e interminável injeção. Embora a vacina fosse de água potável, o diligente médico garantiu-lhe que estava imunizado.
- Pronto, Maneca. Você está salvo. Não vai ser dessa vez que você vai bater as botas.
- Mas, doutor...
- Que mas, nem pera mas... Você escapou dessa. E não me deve nada.
E logo ajudou Maneca a sair da maca. Com a mão em suas costas foi encaminhando o relutante im/paciente para a porta de saída lateral da clínica.
- Você não me deve nada, Maneca. Foi uma honra poder salvá-lo; poder atendê-lo - dizia o Garanhão, alimentando-lhe bondosamente o super-ego.
- Orra, meu! Você não me salvou bosta nenhuma! Não vim aqui pra isso. Tenho mais o que fazer!
E, tirando do bolso da camisa um bilhete com timbre do G. E. Brasil, jogou-o no peito do doutor. Sem mais demoras, girou nos calcanhares, empinou o queixo e com ar de quem se mordia de raiva, saiu porta afora, coçando o dolorido traseiro.
Dr. Garanhão, antes de atender o próximo cliente, dedicou um breve tempo à leitura do bilhete. Era uma proposta estapafúrdia que, o Dr. Garanhão de Pelotas bem sabia, só poderia sair do cérebro de alguém que sabia fazer de Maneca Aguiar, uma das figuras mais queridas do folclore aquariano:
"Por este documento e, através de seu bastante procurador, Dr. Aguiar, a diretoria do Clube Rubro-Negro propõe ao Dr. Garanhão de Pelotas a troca do estádio Bento Freitas pelo seu consultório. O atendimento passará a ser dispensado apenas à torcida Xavante. Ass: Bento Castelã e Pedalão".
O papelucho foi guardado na gaveta da escrivaninha do médico de plantão para casos aleatórios como este. O negócio nunca foi realizado. E nunca mais Maneca Aguiar ousou representar o G. E. Brasil em algum daqueles grandes negócios que nasciam no seu mundo imaginário.
Em compensação, dois dias depois, Maneca Aguiar tirava Edmar Fetter da cadeira de prefeito e, por dez minutos assumiu o governo municipal. Quando Fetter terminou o cafezinho na sala ao lado, pediu que Clayr Rochefort - então seu chefe de gabinete, realizasse uma pacienciosa volta com Maneca, em torno do prédio da Prefeitura. Fetter sim, tinha mais o que fazer.