Era uma sexta-feira, o jogo foi amarrado no balcão do Café Aquário - que depois se latinizou e ficou sendo Aquarius. A teima entre este redator que vos intica e o galante repórter Garanhão de Pelotas
se iniciara na noite anterior na mesinha da janela, ali no bar Cruz de Malta, logo depois do fechamento de mais uma edição do matutino Diário Popular.
Ficou acertado que Liverpool e Portuguesa do Patê se enfrentariam no sábado vindouro, no campo do Oriental, ou do Estrela F.C. - menos no reduto da Portuguesa do Seu Mário Carvalho que jamais me perdoou - porque marido de sua sobrinha - tive a ousadia de fundar um time de várzea com o mesmo nome do clube dele.
O Garanhão defendia as cores do Liverpool que, com um ataque formado por Ivanio Branco e Pulu, não tinha um cartel de vitórias e de feitos memoráveis para concorrer com o histórico da esquadra lusitana que ostentava o galardão de uma invencibilidade de 39 jogos.
Imagine só, a Portuguesa do Patê - com Rubens Sarará, Patê e Sérgio Siqueira como center forwards, perder para uma equipe que apresentava uma defesa com Bruno Rosselli e Garanhão, como backs de espera.
Veio o sábado. A página de esportes do único jornal da cidade naquela época, estampava o desafio: Portuguesa do Patê enfrenta hoje o Liverpool. E mais um sutiã: O time luso já marcou as comemorações do 40° jogo invicto para esta noite, no Bar Copacabana, na Avenida Bento Gonçalves.
Duas e meia da tarde a bola já estava rolando no gramado do Oriental. Não tinha juiz, nem bandeirinha. Não tinha um único torcedor, nem rede nas chamadas balizas. Confiante, o time da Portuguesa deixou que o kickoff fosse do Liverpool.
Não eram decorridos nem cinco minutos. Heleno Varela meteu uma bola na trave do gigantesco arqueiro Nathan Üren, o rebote caiu nos pés do Garanhão; ele escalou o gramado pela orla direita e da altura da intermediária cruzou a peronha para a zona do agrião da Portuguesa; Ivânio, de olhos fixos na pelota, acabou tropeçando em Pulu que, aos trambolhões, foi parar na marca do pênalti.
Bem nesse momento, o balão de tento, atrevido e cheio de efeito, lhe bate de revesgueio no meio da testa, desfaz o topete e toma o rumo inexorável do ângulo direito do goalkeeper João Artista que mergulhou linda e desesperadamente, mas não deu... Gol. Gol do Liverpool. Golaço de Pulu!
A redonda foi parar - posto que rede não havia - lá no alambrado limítrofe com o campo do Estrela. Misturou-se com arames farpados e alguns pés de tuna. O Garanhão nem correu pro abraço. Foi direto buscar a esfera, para que o jogo recomeçasse.
Tristeza: quando botou a bola no meio do campo para a nova saída, todo mundo viu que a guria estava furada. Acabou o jogo. Liverpool 1x0 Portuguesa do Patê.
Na hora dos abraços e confraternizações - afinal, era um jogo amistoso que nem tinha sido jogado - os atletas notaram que o Garanhão de Pelotas já ia lá longe, quase no campo do Tamandaré, na sua bicicleta de pneu balão, recém comprada do Alfredinho. Só a mão esquerda estava no guidom, a direita acariciava o pequeno canivete que providencialmente furara a bola.
Na edição dominical de esportes do Diário, a manchete contava tudo: Liverpool 1x0 Portuguesa do Patê - O Time de Pulu, Ivanio e Garanhão acabou com a invencibilidade da Portuguesa e agora é o único invicto do futebol amador da cidade.
CORNER - A história não deixa mentir: testemunhas oculares - que ainda restam - garantem que o Garanhão de Pelotas nessa façanha esportiva, não era outro do que senão o requintado foolback lateral direito, Carlos Eduardo Behrensdorf - que também atendia pela alcunha de Garça. O Garanhão de Pelotas é assim mesmo, multifacetado. Assume a personalidade dos seus melhores super-herois.