Eis que o Garanhão de Pelotas se aproveitava de mais uma tarde de domingo no aconchego das chamas altas da lareira viva de sua sala tipo loft daquela cabana suiça, no meio do Pampa gaúcho, onde tentava esquecer a saudade do último bando de andorinhas fugitivas do inverno que corria lá fora.
Estava só, distante de sua bruxa bonita, cara de índia espanhola de pele germânica, mistura mágica de fada e mulher que, pelas cruzadas do destino, ficara noutras paragens por forças que só os dois ainda ocultavam, posto que os tempos eram de espera por mais um setembro na vida.
O Garanhão, às lonjuras de sua amada, curtia a dor da distância que a vida reserva aos mortais, sem escolher hora e sem marcar lugar. Para não dar o braço a torcer, enganava o destino queixando-se de si para si mesmo que os gemidos que se perdiam no ar eram, muito menos do coração do que da sua coluna vertebral que, teimosa como o próprio dono, não se deixava dobrar.
O Garanhão, aliviava-se - mais, consolava-se - com a perspectiva de que um pouco mais além daquela tarde fria e solitária de domingo, suas dores se juntariam com as dores e os gemidos de sua gaúcha bem-querer, de coluna tão grega, tão gótica, tão sacra, tão parecida com a dele.
E nesse consolo, tipo sonho de coração aberto e olhos semicerrados, o Garanhão de Pelotas sentiu na pele a a suavidade da pele de sua querida distante, descendo pela coluna cervical, como se lábios fossem no seu pescoço; pela coluna toráxica, como se pelo peito se derramasse; pela coluna lombar, assim de bruços, entregue, vencido; pelo sacro, santo jeito de se consagrar amado e amante.
E assim venceu o domingo, aquecido pelo calor das duas colunas que se escoravam uma na outra, mais quentes e mais gostosas do que as chamas da lareira que, aos poucos, ia adormecendo também. Mas, o Garanhão e sua bruxa bonita sabem que lareiras apenas se apagam; apenas fenecem; não sonham.