Há pequenas aventuras no cotidiano do Garanhão de Pelotas que ele gosta de viver até um certo ponto. Pequenas coisas que significam muito. Por exemplo: gosta de escrever, mas... Ai de quem se meta a ficar do seu lado tamborilando com um lápis, ou uma canetinha Bic no tampo da mesa de reunião. Ele sobe nas tamancas. Tem vontade de deixar a vida de escritor.
Nada melhor para ele do que, no meio do dia, tomar um bom banho de ducha, mais para quente do que para morno. Adora el tintineo da água no seu corpo. Pero, no mucho! Detesta a lida da vida de ter que se enxugar. Pô que dose aquela esfregação onânica e felpuda em suas costas que, invariavelmente, ficam úmidas e mal enxutas.
Gosta de se sentir magrão e esbelto. Mas gosta mais dos prazeres da mesa, do aroma e do sabor dos vinhos espanhóis e chilenos. E de conversar com os rótulos que procedem das margens do Reno, ou dos vinhedos italianos. E fica gordo.
Outra mania do seu modus vivendi: não sabe ser feliz sozinho. Volta e meia casa. Casa despapelado, sem cartório; só para carimbar... E já sabe, tem que descasar. É que ele precisa encontrar a sua alma nem tão gêmea assim, mas uma alma que o contrarie só um pouquinho e de vez em quando; uma alma que seja o seu espírito de porco; o seu espírito e o seu corpo.
Para todas as a/venturas o Garanhão de Pelotas tem suas próprias soluções. Às vezes dá com os burros n'água. Mas - você já sabe - água é um troço que lhe cai bem. Num banho a dois, numa banheira de espuma então... Nada melhor para rejuntar colunas, desdobrar pequenos prazeres, limpar as agruras do dia, limpar a barra.
Pois, olha o que ele inventa... Para o caso das canetinhas incomodativas, ele determinou que anotações nas reuniões de suas empresas, sejam feitas apenas a lápis. Por isso, já tratou de proibir apontadores manuais e mandou quebrar todas as pontas de grafite que surjam por acaso nesses encontros negociais.
No que tange às enxugações compulsórias pós-banho, ele resolveu a questão: faz do banheiro uma verdadeira peça de academia, mais que enxugar-se, ele se deixa massagear - no bom sentido - por uma de suas três secretárias executáveis, sempre disponíveis para serviços de qualquer natureza humana.
Já para o último casamento, tipo assim aberto, ele andou quebrando a cabeça. Queria sair daquilo em razão de ter sentido no latir de su corazón o aviso de que uma bruxa boa lhe trazia bons fados e lhe despertava, de repente, a quase esquecida alegria de viver.
Queria, mas tinha cutucões de dó e piedade que lhe provocavam lembrancinhas bobas. Recordou-se de quando, ao trocar de moradia - saía de uma mansão em Montevidéu para um confortável apartamento na Gorlero, rua que leva ao Conrad Resort, capital de Punta del Este que, por sua vez, é a única e verdadeira capital do Uruguai, teve que se desfazer de Gato, o seu cãozinho de estimação.
Deu uma dor do cão no Garanhão. Gato era só um bichinho, mas a separação foi doída. Como tudo na vida, deu, doeu e... passou.
E foi assim, pensando nessas dores de partidas para sempre, que o Garanhão foi procurar a solução para desfazer aquela união já desgastada. Uma união aberta - como já se sabe.
Ela, Zuleide - seu nome era Zuleide, desde que que nascera até o primeiro encontro com o Garanhão - tirava temporadas longe de casa. Passava um, dois mêses, ou mais, na sua própria casa, num desses interiores do mundo. E ele, feliz da vida, ficava na dele. Muito na dele.
Pois, foi nisso, exatamente nisso e nessas alturas que o Garanhão encontrou o jeito nobre que lhe vai na alma de dar um fim ao que já estava terminado há muito tempo e, no entanto, ainda junto, teimosamente unido, apegado - quem sabe até - colado, demasiadamente colado.
Naquele dia mesmo, coisa de 45 ou 50 dias de separação consentida, o Garanhão de Pelotas telefonou para Zuleide. Ela, de pronto, atendeu:
- Olá, tudo bem, meu anjo?
- Oi tudo bem, Zuleika.
- Como foi que você me chamou?...
- Zuleika, meu bem...
- Zuleika?!?
- Zulei... Zuleide, Zuleide!
- Zuleika é a mãe, seu cretino!!!
O Garanhão nem chegou a completar a terceira cínica tentativa de chamá-la pelo nome de nascença. A batida do telefone ficou ressoando nos seus ouvidos moucos. Nunca mais o Garanhão soube de Zuleide. Nem ela, jamais, quis saber do desalmado lorde infiel. Maldito traidor!
E dessa forma solteiro e desimpedido, o Garanhão de Pelotas pôde enfim dedicar-se de alma, coração e vida à bruxa bonita, de lábios com gosto de café quentinho, de olhos curiosos que desvendavam seu mundo, de mãos macias que carregavam seu coração.
Desse jeito dedicado e entregue, o Garanhão e sua Bruxita viveram juntos por muitos e muitos anos e foram felizes para sempre.
MORAL DA HISTÓRIA - As mulheres perdoam as injúrias e as traições, mas não esquecem o desdém. E esta é uma saída para quem acha que sempre há uma forma de se resolver qualquer coisa na vida.