Usando um dos meus múltiplos e bem dotados personagens, fiz história no futebol como Aranha Negra, o melhor goleiro de todos os tempos nas tardes de sábado da Charqueada São João.
Como se não bastassem as inigualáveis temporadas invictas consecutivas, de 1990 a 1999, levei meu time à vitória no torneio início do glorioso ano 2000, conquistando nos pênaltis, o primeiro título do terceiro milênio da humanidade.
Um feito que só poderá ser superado depois de passados esses próximos mil anos e, assim mesmo, se alguém repetir a façanha de pegar, como eu peguei, os cinco pênaltis da primeira série e os outros dois que foram cobrados contra mim, até que eu mesmo, bancando o Rogério Ceni, fosse lá cobrar a penalidade que, já no papel de Garanhão de Pelotas converti no gol da vitória que os atacantes saladeiros até então não tinham conseguido marcar.
Pronto, eu acabara de me consagrar como Aranha Negra, o primeiro goleiro do mundo a segurar, uma atrás da outra sete penalidades máximas. Conta de mentiroso, mas um feito memorável, um recorde mundial insuperável.
Na semana seguinte, diante do tédio de carregar nas costas a proeza de ser o único guarda-valas a defender sete penalidades consecutivas na história do futebol, resolvi deixar o gol e o Aranha Negra para trás, para desempenhar a função de center forward já como Garanhão de Pelotas.
Era a primeira partida pra valer do terceiro milênio. A um minuto de jogo, meti um golaço de calcanhar. Nem o hoje combalido Sócrates faria igual. Pronto, outra façanha imbatível. Só daqui a mil anos, alguém terá chance de superar meu desempenho, e ainda assim terá que ser com um gol de letra marcado antes dos primeiros 60 segundos da competição.
Diante daquele empate em um gol e como estava em disputa o Troféu Carlinhos Mazza, eterno patrono da Charqueada São João, a posse da taça seria decidida em cobrança de pênaltis.
Tantas quantas fossem necessárias para apontar o vencedor. Como reconhecido atacante matador, eu fui escalado para ser o único e indivisível cobrador.
Naquele tempo, um só atleta - na verdade, o craque do time - cobrava as penalidades máximas. Mais que justo, posto que sempre e isso perdura até hoje, foi só um goleiro, nada mais que um único arqueiro, o encarregado de dar conta do recado.
Pelo sorteio, eu fui encarregado de bater primeiro as cinco penalidades. Fui lá e bati. Errei todas, uma atrás da outra.
Como o atrevido goleiro deles tinha agarrado os três primeiros pênaltis, eu bati os outros dois para fora, de propósito. Aqui ó, que ele iria igualar o recorde do Aranha Negra!
Até hoje eu não sei se o ponta-de-lança deles lá converteu algum dos pênaltis que bateu contra nós. Só sei que tão cedo não vai aparecer um craque com a devida estatura para quebrar o meu segundo recorde mundial no futebol de todos os tempos.
A não ser que algum Elano seja escalado por alguém parecido com um Mano Menezes para decidir alguma competição pela seleção brasileira.
MORAL DA HISTÓRIA – Triunfar é tirar partido das debilidades humanas e jamais compartilhá-las.