Certa noite vagabunda, numa dessas sedes clandestinas de clubes esportivos de segunda divisão, um carteador novo, enorme, gordo, glutão e estourando de sorte, batia todas as grandes paradas. Nas pequenas rodadas daquele pife de bater com a louca, ele nem ia. O cara estava rebentando; tava com o buzanfan que era uma rosa.
Era de uma cidade-satélite de Pelotas. Chegara para fazer compras e ficara para um pernoite de final de semana. Descobrira o pequeno antro de carteado e, viciado como ele só, se abancara por ali mesmo.
Eu apenas mirolhava a jogatina, traçando um vermute com cachaça e Underberg, já que aquilo não era ambiente para Dry Martini, nem para a minha querida finlandesa com nacos de laranja. Apenas fazia tempo, para partir para as quebradas daqueles tempos, hoje tidas como baladas.
Carlito Juruá já estava cansado de sair pifado e perder todas na primeira ou na segunda volta.
Naquela rodada ele saiu pelo coringa. Estradulou. Dobrou todas as apostas que se sucediam. Todos redobravam. Parecia que todo mundo estava batido. Ele seria o terceiro a jogar. Era impossível perder aquela parada. Ia tirar o pé do barro.
Feitas as apostas. O que jogava de mão foi ao jogo. Comprou a primeira, não gostou e comprou a segunda. Encaixou-a no seu buquê de cartas e largou a que não prestava em cima da mesa. Carlito – de mão cheia - moveu-se para comprar no baralho, certo de que iria aumentar sua chance, quando o mastodonte rabudo abriu o seu leque no pano verde:
- Deu pra mim!
- Quiopariu! Vai ter sorte assim na casa do cacete! – irritou-se Carlito.
- Jogo é jogo, meu. Não chia – vociferou o grandalhão, arrebanhando o bolo de fichas.
- Não te agranda, ô corno! Chifrudo! – extrapolou Carlito.
- Cumé quié?!?
- Chifrudo, sim. Quem tem sorte assim no jogo, é infeliz no amor. Corno! E daí?...
Esbravejou e se arrependeu na mesma hora. O animalão levantou da cadeira, cresceu na sua frente e mostrou na cintura um Colt 44 de dar inveja ao Clint Westwood.
- Ô bundão, tu me chamou de corno, de chifrudo?!?
A coisa ia de mal a pior. Carlito engoliu o pomo-de-adão e quase sumiu na cadeira. Ficou assim como quem queria comer a toalha. Os outros parceiros embranqueceram em efeito dominó: à medida que se olhavam, iam perdendo a cor. Deu branco total.
E foi então que eu tive que me meter. Com voz calma e serena desanuviei o ambiente:
- Ei, ei amigo... Ele te chamou de chifrudo, sim.
- O quê... – o possante já ia topando briga comigo também. Tinha peso pra isso.
- Ô amigão foi chifrudo sim... Mas chifrudo no bom sentido, cara.
O tom conciliador daquela minha ridícula intervenção desarmou a animosidade do grandalhão ofendido. Aos poucos, a mesa estava cercada de risos amarelos. Carlito foi crescendo no seu lugar, enquanto o sortudo de testa proeminente e burrice estampada tentava resolver se aceitava aquilo como desculpa ou como brincadeira. Sentou-se. Aí, só aí então Carlito deu sinal de vida:
- É sim, chifrudo... Chifrudo no bom sentido – conseguiu murmurar amigavelmente.
- Ah, bom. Se foi no bom sentido da palavra, tá certo. Vamos pro jogo.
Carlito ainda insistiu por ali uns quinze minutos. Como a sorte não queria nada com ele, deu os trâmites por findos e foi tomar comigo a sopa da madrugada no Restaurante-35.
MORAL DA HISTÓRIA - Com o Garanhão por perto, ninguém paga vale pra ninguém.