11 de nov. de 2011

A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO

Pois eu era, naqueles tempo bicudos, diretor de teatro. Bolas, o Garanhão de Pelotas já fez e já foi de tudo um pouco na vida. Diretor de teatro, sim. Teatro dos Bancários. Meu passaporte para transitar pelos camarins daqueles vocacionados artistas amadores era o balcão de Contas Correntes do Banco Agrícola e Mercantil, hoje falecido.

José Luiz Mendonça, o Joca, meu colega de datilografia na missão cotidiana de "fechar" o livro Diário, protagonizava uma adaptação da história "A Volta do Filho Pródigo". Quem fazia o filho pródigo não interessa, o importante é que Joca Mendonça desempenhava o papel de pai do filho.

O amador que bancava o filho que volta pra casa era meio tapadão. Tinha dificuldade para decorar textos, relembrar falas, inventar "cacos". Joca, não. Era bom de decoreba, de interpretação, de impostação de voz, de mise en scène.

O primeiro ato terminava com a volta do filho pródigo, uma entrada intempestiva em cena que surpreendia o pai, de pijama, sentado numa poltrona da sala, lendo um jornal. O diálogo era rápido e rasteiro. A primeira fala era uma exclamação do pai, supreendido pelo retorno inesperado. Coisa fácil para fechar o ato e cerrar as cortinas do espetáculo.

Teatro 7 de Abril lotado, silêncio da platéia atenta e o destrambelhado filho abre com estardalhaço a porta, sacudindo o cenário que quase fez desabar a rotunda. Desastrado antecipa-se ao pai, trocando as bolas e as falas. Mete a cara em cena e, com pose de grande ator, brada para o pai:

- O que vem você fazer aqui?

O cara roubou a fala do Joca. A platéia leva um susto, ri e, diante do amor ao teatro, fica na expectativa do que iria acontecer a partir dali. Silêncio, de novo. Joca, num rasgo de seu enorme talento, levanta-se, vai com ar de real indignação ao encontro do ator desastrado e conserta tudo, com presença de espírito e vasta capacidade de improvisação:

- Eu é que te pergunto, filho ingrato! O quê vem você fazer aqui?!?

E, sem complacência, coloca as duas mãos nos ombros do filho pródigo e o expulsa de cena. Bate a porta na cara dele. Volta para a poltrona, pega o jornal e finge que o lê, enquanto o pano cai.

MORAL DA HISTÓRIA - Filho que nasce pródigo, mesmo quando volta para casa continua perdulário. É capaz de jogar fora até mesmo uma peça de teatro.