11 de nov. de 2011

FIM DE CASO

Àquelas alturas eu estava convencido: eu era um tarado. Estou falando de coisas de alcova. E já vou pelo atalho para que a gente não se perca com mais delongas nesse caminho tortuoso.
Cheguei ao Solar Branco, um bordel decadente dos Anos-60, época em que a meninada fazia no colégio e atrás das portas o que levaria anos a fio para aprender nas pensões até que virassem mulheres de vida fácil.

Era coisa de 10 horas de uma noite de inverno, cheguei de gabardine tipo Jean Gabin, gola levantada cobrindo metade da cara, chapéu de aba encostada na testa, um Colúmbia com filtro no canto da boca, com pose de Humphrey Bogart.

Varri com os olhos o salão habitado por uma falange de meia dúzia de marafonas desencantadas pela espera da clientela que não aparecia para dar movimento à casa de prostituição que um dia fora um sucesso de arromba.
As prostiputas não me deram a mínima atenção. Olharam e continuaram como estavam. Uma fumando uma piteira, ao mais puro estilo Marlene Dietrich; outra estirada no sofá esfarrapado, como se fosse a Cleóptara que ela vira no cinema da esquina.

A loirinha mais bonitinha daquela legião de desesperanças levantou-se e, quando pensei que se encaminharia para mim, deu meia volta e foi para a sala dos fundos, onde ficavam a cozinha e a patente.
Patente, se você não sabe é, para os contemporâneos deste seu Garanhão de Pelotas, o quarto de banho, o popular WC.

Uma delas, mais expedita, foi à eletrola Telefunken e botou um long play do Glenn Miller. Os acordes de Mooonlight Serenade povoaram o salão. O resto era silêncio e fumacê.
Uma gorducha bonitona, de olhos esgarçados e boca tão proeminente quanto seu ventre usado e abusado pela corrida do tempo e das batalhas de lençóis, aproximou-se com um sorriso simpático e pretensamente encantador:

- Paga uma Cuba, bem?
- Eu sou tarado! - Grunhi em sua direção.
- Tá bom, mas tu me paga um cocrete também?
- Eu sou tarado! Se valer a pena, eu pago a Cuba, o croquete e o michê...

Ela olhou para as outras. Nenhuma delas mostrou qualquer interesse. A gordinha quis saber mais. E já, em tom de consentimento, foi se chegando:
- E qual é a tua tara?

Calei-me, tirei a mão do bolso, livrei uma baforada brutal de fumaça e, apagando o cigarro no cinzeiro que estava na mesinha rococó ao lado do corrimão da escada que levava aos cômodos de sacanagem, abri um lado da minha capa e mostrei-lhe um relho, um rebenque desses de dar chicotada nos burros de carga.

Seus olhos ficaram maiores. E mais brilhantes. Sorriu sem mostrar os dentes. E me provocou:
- E o quê mais?...
- Mais um pelego de ovelha. Que, se é que tu topas, eu vou buscar ali fora na minha charrete...

Ela topou. Eu fui e voltei. Logo subimos, sob o olhar petrificado das outras gurias sem-vergonhas.

Pois fomos. E foi tudo muito bem. E muito bom. Deitei-a no pelego, enchi seu lordo de relhaços, mordi, usei, abusei, entrei aqui e ali, sempre com muita chicotada e muito prazer.
Antes que a madrugada desse lugar ao dia, eu paguei a Bertolina - esse era o nome da gordinha safada - uma Cuba, dois croquetes e deixei em cima do bidê uma nota de dez contos de réis.

Essa façanha se repetiu por mais de um ano. Sempre às sextas-feiras, das 10 da noite às quatro, cinco da madrugada. Eu a deitava sobre o pelego e a enchia de relhaços que deixavam marcas que subiam das nádegas até as espaldas graúdas e brancas.

Era uma felicidade só. Era bom para os dois. Eu já tinha me acostumado as suas banhas. Bertolina tinha tanto pneu na cintura que, quando ela suava, eu achava que aquilo poderia ser um viveiro de mosquitos da dengue. Mas era bom assim. E correu o tempo assim, bem assim.
Naquela outra longínqua sexta-feira eu não estava lá essas coisas. Cheguei ao Solar Branco já com o relho e o pelego embaixo do braço e subi com Bertolina para o quarto.

Ela se preparou toda para o ritual de sempre. Deitou-se no pelego e esperou as chibatadas. Eu a penetrei direto. Não bati. Fui fundo. Fui e voltei. Fui e voltei. Fui e brochei... Bertolina se encanzinou:
- Quiéisso, meu taradão. Cadê o relho?!?
- Não tô a fim de dar relhaço...
- Ah, não. Eu quero relho. Me bate, me bate!
- Não. Não vou te bater hoje. Nem hoje e nem nunca mais. Chega. Cheeega!

E logo me apressei a tirá-la do pelego e colocá-la na cama. Em seguida, me preparei para voltar à carga ligeira. Ela conformada, me aceitou assim mesmo. Sem pancada, sem pelego e sem rebenque.
No meio do ato, olhei seus olhos. Grossas lágrimas escorriam pelo seu rosto. Manchavam de cima abaixo aquela sua cara larga. A curiosidade e até certo sentimento de dó e piedade me fizeram fracassar outra vez. Saí de dentro dela. Virei-me de lado. Peguei um cigarro no bidê e me dediquei então a Bertolina outra vez:

- O que é isso, guria, tá chorando por quê?!?

Seu choro era quase convulsivo. Eram lágrimas verdadeiras. Choro assim de quem está apaixonado. Não conseguia falar direito. Soluçava.
- Fala guria, que choro é esse?

Ela se aconchegou, abraçou-me com ternura e quase implorando, me disse a razão de sua tristeza:

- Snif, snif... Tu desprezou o pelego!... Snif, snif... Tu não quer mais me bater... Snif, snif... Tu brochou, tu brochou!
E aí desandou no choro:

- Ahhhh, tu não gosta mais de mim!

E foi assim que, com os erros do seu português ruim, acabou o encanto. Deixei de ser tarado naquele dia. Foi o jeito que encontrei para acabar com aquele caso que já estava ficando sério demais, já tinha virado uma paixão mal-resolvida. Nunca mais vi Bertolina na minha vida. O pelego e o rebenque ainda estão lá no porão de casa. Hoje, eu já não sou mais tarado. Virei sado-masoquista.

MORAL DA HISTÓRIA – Todas as paixões exageram alguma coisa e são paixões justamente porque exageram. (Chamfort)