Eu era ministro do Trabalho do primeiro governo de uma primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Eu era bom ministro. O ministério é que era uma porcaria tão grande que, quando meus pensamentos voavam pelo meu gabinete, sobressaía a minha porção mosca-varejeira.
Eu me sentia muito bem no meio daquele monturo cercado de políticos e consultores, porque sabia que podia cometer malfeitos a torto e direito. Afinal, eu sabia que no fundo, no fundo, todos eles eram bons. Ruim mesmo é quando eles vêm à tona.
Então eu dava risada sempre que me pegavam no contrapé, toda vez que me acusavam de alguma falcatrua, que diziam que eu levava uma propina para liberar a abertura de um sindicato ou coisa que o valha. Eu morria de rir, porque eu sempre tinha alguém em quem botar a culpa.
E corria o tempo, célere rumo às festas de Natal e Novo Ano. A primeira-mulher-presidenta, a quem eu amo de paixão, pressionada por uma cascata de acusações que fez meia dúzia deles rolar por águas abaixo que nem bosta na correnteza, me mandou uma mensagem urgente, meio curta, meio grossa, como é de seu feitio: "Quero amanhã mesmo o seu relatório sobre a minha mesa"!
Achei que ela também gostava de mim. Mais que achar, eu tinha certeza. Não a fiz esperar. Mandei o relatório por escrito, carimbado em papel timbrado e assinado. Não carecia de sigilo. Não tenho, nem nunca tive segredos pra ninguém.
Meu relatório também foi meio curto e meio grosso, como é de meu feitio: "Sua mesa é de madeira de lei, rococó reformada, tem quatro pernas, duas gavetas e tampo muito bonito".
MORAL DA HISTÓRIA - É prudente em coisas do governo que nos domina que quando os erros podem ser remediados, que se os remedie; e quando não, que sejamos dissimulados.
27 de nov. de 2011
19 de nov. de 2011
ASSOCIAÇÃO DE IMAGEM
Quando eu não havia completado ainda 200 anos de idade, tinha um neto, esperto e bonito como são todos os netos de todos os avós do mundo. Mais que isso, ele era inteligente. Isso sempre faz a diferença.
Naquela manhã de férias do Jardim de Infância, ele saía de casa, acompanhado por seu pai, para dar um voltinha no parque da cidade, andar de balanço, gangorra, traçar um sorvetão, um algodão doce, pipoca e essas coisinhas que os pais sempre provam antes de dar a metade que sobra para os filhos.
Estavam no umbral da porta, quando bem à frente de meu neto de cinco anos, passa pela calçada, rente à parede da casa, um anãozinho, de cabelinho penteado, bem arrumadinho, de andar lépido e faceiro.
O pequeno transeunte não estava nem a um metro de distância, quando meu neto - encantado pela inusitada imagem do nanico - sugeriu na hora ao meu genro:
- Pai, me leva ao circo?!?
O anão estancou a caminhada. Voltou-se como se fosse dar um tabefe no guri atrevido. Viu que não era nada disso. Deu meia volta e se mandou. Lépido, mas já nem tão faceiro assim.
MORAL DA HISTÓRIA - Quando o sonho se reflete na realidade, não há razão para conflito. Mas que a gente perde o rebolado, perde.
Naquela manhã de férias do Jardim de Infância, ele saía de casa, acompanhado por seu pai, para dar um voltinha no parque da cidade, andar de balanço, gangorra, traçar um sorvetão, um algodão doce, pipoca e essas coisinhas que os pais sempre provam antes de dar a metade que sobra para os filhos.
Estavam no umbral da porta, quando bem à frente de meu neto de cinco anos, passa pela calçada, rente à parede da casa, um anãozinho, de cabelinho penteado, bem arrumadinho, de andar lépido e faceiro.
O pequeno transeunte não estava nem a um metro de distância, quando meu neto - encantado pela inusitada imagem do nanico - sugeriu na hora ao meu genro:
- Pai, me leva ao circo?!?
O anão estancou a caminhada. Voltou-se como se fosse dar um tabefe no guri atrevido. Viu que não era nada disso. Deu meia volta e se mandou. Lépido, mas já nem tão faceiro assim.
MORAL DA HISTÓRIA - Quando o sonho se reflete na realidade, não há razão para conflito. Mas que a gente perde o rebolado, perde.
16 de nov. de 2011
COMIA, SIM
Eu também fui guri medonho, daqueles de esperar a saída dos colégios das freiras e dar piadinhas sensuais e provocativas para a virgenzinhas da cidade.
Um dia, eu estava com a minha turma numa das calçadas estreitas, pela qual as moçoilas tinham que passar depois de mais um dia estafante de aula.
Eu mais que sozinho, estava mal acompanhado por Peteleco, um colega de ginásio que, como eu metera uma gazeta, só para ver a fauna escolar passar.
E lá vinham duas delas. Pelo jeito, capricornianas ou piscianas, virgens é que não tinham mais jeito de ser.Uma aparentava ser um pouco mais experiente que a outra. E eu querendo me exibir mais do que precisava, segredei para o parceiro ao lado:
- Essa é feia. Eu não comia nem que ela me pagasse.
- Qual delas, a de cá ou a de lá?
- A quem vem pela beirada da calçada.
- Pô, Garanhão, essa é minha irmã.
- Não, não, a de lá, a veterana.
- Pois essa é a minha mãe...
- Ah é, então eu comia. Comia sim!
MORAL DA HISTÓRIA – Com excesso de confiança e sem dobrar a língua você acaba não comendo, nem agradando ninguém.
Um dia, eu estava com a minha turma numa das calçadas estreitas, pela qual as moçoilas tinham que passar depois de mais um dia estafante de aula.
Eu mais que sozinho, estava mal acompanhado por Peteleco, um colega de ginásio que, como eu metera uma gazeta, só para ver a fauna escolar passar.
E lá vinham duas delas. Pelo jeito, capricornianas ou piscianas, virgens é que não tinham mais jeito de ser.Uma aparentava ser um pouco mais experiente que a outra. E eu querendo me exibir mais do que precisava, segredei para o parceiro ao lado:
- Essa é feia. Eu não comia nem que ela me pagasse.
- Qual delas, a de cá ou a de lá?
- A quem vem pela beirada da calçada.
- Pô, Garanhão, essa é minha irmã.
- Não, não, a de lá, a veterana.
- Pois essa é a minha mãe...
- Ah é, então eu comia. Comia sim!
MORAL DA HISTÓRIA – Com excesso de confiança e sem dobrar a língua você acaba não comendo, nem agradando ninguém.
BEDEUZINHO
Um dos grandes craques com quem tive o prazer de jogar foi Bedeuzinho, grande craque da velha Boca do Lobo. Mas ele já não anda mais por aí.
Quando abandonou a carreira profissional, Bedeuzinho permaneceu pelas cercanias do time da Avenida, como se fosse uma peça do s móveis e utensílios, um patrimônio do clube.
Era uma figura fácil e carimbada nas redondezas áureo-cerúleas. Tinha sempre histórias pra contar. A vida lhe foi ingrata. Saiu dos gramados com a família meios desmanchada, as finanças meio abaladas, na verdade, sem um tostão no bolso.
Nem com tudo que passou, seu espírito perdeu a ginga nem a malandragem que só os vestiários do futebol ensinam. Era um anedotário ambulante. Protagonizava a maioria das façanhas que contava e inventava. Tinha presença de espírito e tiradas incríveis; não perdia uma...
Esta que conto agora, eu vi de perto. Paulo de Souza Lobo – o Galego era o treinador do Pelotas que fazia, naquela temporada, uma campanha sofrível no Gauchão. Certo sábado, o time jogaria à tarde em Novo Hamburgo, contra o Floriano, time do goleiro Periquito – uma muralha.
A comitiva estava entrando no ônibus, com Galego organizando o embarque. Os atletas se encaminhavam, em fila indiana, para seus lugares. Bedeuzinho – que já era carta fora do baralho – furou a fila e foi se infiltrando. Galego deu-lhe um basta. Colocou-lhe a mão no peito e preveniu:
- Peraí, Bedeu, primeiro entram os que jogam.
- Ah é?!? Então desce todo mundo! – indignou-se Bedeuzinho.
Eu quis saber do que se tratava:
- O que é que houve Bedeuzinho?
- O home aí disse que só entra quem joga...- Tá certo, ele, Bedeu.
- Tá nada. Ali só tem cabeça-de-bagre. Se é por jogar bola mesmo, então eu vou sozinho nesse ônibus.
E há muitas outras. Uma delas foi comigo mesmo. Ele ainda tentava manter no caminhar certa fidalguia de Zumbi dos Palmares.
E botava banca sempre que podia. Eu entrava naquela tarde de muitos anos que já se foram na sala da diretoria do Pelotas para uma reunião negocial. Dei de cara com Bedeuzinho, todo engravatado como gostava de andar, ainda que de colarinho branco amarrotado e poído e, de passagem já fui logo, em voz alta, simulando que o provocava:
- Bedeu, você não jogava nada.
- E você, Garanhão, nunca vai ser treinador de futebol!Ele era assim mesmo. Tinha raciocínio rápido e agudo como era seu jogo. O recado espirituoso, fingidamente irado que me atirou de volta foi claro: um cara que não reconhecia seu futebol, não poderia mesmo entender nada de bola. O sorriso vitorioso em seu semblante quase feliz me valeu o dia. Era como se Bedeuzinho tivesse marcado mais um de seus gols de placa.
Bedeuzinho continuava sabendo driblar a vida como poucos são capazes de fazer nos lances mais retrancados desse duro campeonato que é a existência.MORAL DA HISTÓRIA – Aquele que muda quando perdeu a sorte e a fortuna, mostra que não as havia merecido.
13 de nov. de 2011
O PULO DO GATO
E então, de repente, não mais que de repente, a mídia - sempre a mídia - descobre que o patrimônio de Agnelo Queiroz, perfeito substituto de Zé Arruda no governo do Distrito Federal, subiu 413% em quatro anos. De R$ 224.350 declarados à Receita em 2006 seus ganhos foram para R$ 1.150.322 em 2010.
Isso só pode ser intriga da oposição. Vai ver, ele apenas se esqueceu de contar ao Leão do governo que aprendeu com o nanico João Alves, de triste memória, a acertar uma vez por ano nas Loterias da Caixa. Ainda tem muito sorteio pela frente.
Mas esta patacoada só vem parar aqui, porque demonstra que a vida é uma piada pronta. E como o Garanhão de Pelotas perde o amigo mas não perde a piada, eu tenho frouxos de riso quando vejo na política casos tão antigos e hilários quanto as mais velhas conversas moles para boi dormir.
Naquelas priscas eras eu era um colono matuto lá do interior das pradarias do Rio Grande. Tinha coisa de vinte e poucos anos e trabalhava com meus pais e minha penca de irmãos na nossa pequena lavoura de arroz, ali pelas bordas do Taím.
Trabalho duro, de sol a sol, a semana inteira. Menos sábado e domingo, folga que a gente já começava a curtir nas noites de sextas-feiras pelos bolichos da campanha.
Eu era bem comportado. Bebia e comia menos do que namorava. Preferia carne tenra, in natura. Pois então, eu tinha uma namoradinha, bonita pra burro. Uma colonazinha que nem eu. E a gente namorava na sala, sentadinhos no sofá de palhinha colonial.
Os avanços já iam bem adiantados entre nós. A gente já se bolinava há mais de seis meses. Sempre ali na sala e, na hora da saída, no portão, onde as suas bochechas ficavam mais vermelhas e seus recôndidos mais bem humorados. Humor aquoso, é claro. Minhas glandulas inferiores ficavam a ponto de estourar.
Naquela sexta, coisa de nove horas da noite, ela tirava meu saltitante artefato de prazer para fora da braguilha quando, de inopino e impertinente, entra na sala o bagual inconveniente e inxerido do seu pai. Um gauchão de faca na bota, bigodes que parecim um rebenque horizontal sobre as ventas fumegantes...
Nem precisava ser daquele tamanho. Bastava aquela carantonha para matar qualquer um de susto. Vi que ele vira tudo. Seus olhos até me pareceram meio gulosos com relação à minha intimidade exposta. Coisa de gaúcho, sei lá. Mas, a bem da verdade, o que senti mesmo no seu emblante foi o ar de decepção diante da quebra da confiança que ele depositara em nós.
Nãolhe dei tempo algum. Dei curso, isto sim, à única desculpa que me veio à cabeça.
Levantei-me de repente e, no meu pulo do gato, atravessando a sala rumo à patente lá fora, com o instrumento viril e erecto na mão, me dirigi ao sogrão mal encarado:
- Bueno, vou dar uma mijadinha...
E diante de sua estupefação, com um sorriso amarelo aproveitei para alongar a constrangedora e ocasional conversa:
- E talvez inté faça um cocozinho.
O que a desculpa esfarrapada e imoral produziu naquele ambiente, nem quero lembrar. O que importa agora é que o pulo do gato cabe hoje como uma luva na mão de Agnelo Queiroz, flagrado numa brutal quebra da confiança dos seus eleitores.
O sucessor de Arruda dos Panetones é bem capaz de, a exemplo dos R$ 5 mil que lhe foram devolvidos pelo lobista laboratorial, pode muito bem imitar a cena deste seu Garanhão aqui e sair de fininho abandonando o governo, como eu abandonei pra sempre a namoradinha bonita pra burro.
Só falta agora Agnelo se levantar da cadeira no gabinete do governo e dar o pulo do gato na direção dos seus eleitores:
- Bueno, vou devolver os premios das loterias pra Caixa... E talvez inté lhes empreste algum do que tá sobrando.
MORAL DA HISTÓRIA - Nem sempre as necessidades fisiológicas são satisfeitas com fezes e urina. Podem, no entanto e invariavelmente, ser feitas de imoralidade e sem-vergonhice.
Isso só pode ser intriga da oposição. Vai ver, ele apenas se esqueceu de contar ao Leão do governo que aprendeu com o nanico João Alves, de triste memória, a acertar uma vez por ano nas Loterias da Caixa. Ainda tem muito sorteio pela frente.
Mas esta patacoada só vem parar aqui, porque demonstra que a vida é uma piada pronta. E como o Garanhão de Pelotas perde o amigo mas não perde a piada, eu tenho frouxos de riso quando vejo na política casos tão antigos e hilários quanto as mais velhas conversas moles para boi dormir.
Naquelas priscas eras eu era um colono matuto lá do interior das pradarias do Rio Grande. Tinha coisa de vinte e poucos anos e trabalhava com meus pais e minha penca de irmãos na nossa pequena lavoura de arroz, ali pelas bordas do Taím.
Trabalho duro, de sol a sol, a semana inteira. Menos sábado e domingo, folga que a gente já começava a curtir nas noites de sextas-feiras pelos bolichos da campanha.
Eu era bem comportado. Bebia e comia menos do que namorava. Preferia carne tenra, in natura. Pois então, eu tinha uma namoradinha, bonita pra burro. Uma colonazinha que nem eu. E a gente namorava na sala, sentadinhos no sofá de palhinha colonial.
Os avanços já iam bem adiantados entre nós. A gente já se bolinava há mais de seis meses. Sempre ali na sala e, na hora da saída, no portão, onde as suas bochechas ficavam mais vermelhas e seus recôndidos mais bem humorados. Humor aquoso, é claro. Minhas glandulas inferiores ficavam a ponto de estourar.
Naquela sexta, coisa de nove horas da noite, ela tirava meu saltitante artefato de prazer para fora da braguilha quando, de inopino e impertinente, entra na sala o bagual inconveniente e inxerido do seu pai. Um gauchão de faca na bota, bigodes que parecim um rebenque horizontal sobre as ventas fumegantes...
Nem precisava ser daquele tamanho. Bastava aquela carantonha para matar qualquer um de susto. Vi que ele vira tudo. Seus olhos até me pareceram meio gulosos com relação à minha intimidade exposta. Coisa de gaúcho, sei lá. Mas, a bem da verdade, o que senti mesmo no seu emblante foi o ar de decepção diante da quebra da confiança que ele depositara em nós.
Nãolhe dei tempo algum. Dei curso, isto sim, à única desculpa que me veio à cabeça.
Levantei-me de repente e, no meu pulo do gato, atravessando a sala rumo à patente lá fora, com o instrumento viril e erecto na mão, me dirigi ao sogrão mal encarado:
- Bueno, vou dar uma mijadinha...
E diante de sua estupefação, com um sorriso amarelo aproveitei para alongar a constrangedora e ocasional conversa:
- E talvez inté faça um cocozinho.
O que a desculpa esfarrapada e imoral produziu naquele ambiente, nem quero lembrar. O que importa agora é que o pulo do gato cabe hoje como uma luva na mão de Agnelo Queiroz, flagrado numa brutal quebra da confiança dos seus eleitores.
O sucessor de Arruda dos Panetones é bem capaz de, a exemplo dos R$ 5 mil que lhe foram devolvidos pelo lobista laboratorial, pode muito bem imitar a cena deste seu Garanhão aqui e sair de fininho abandonando o governo, como eu abandonei pra sempre a namoradinha bonita pra burro.
Só falta agora Agnelo se levantar da cadeira no gabinete do governo e dar o pulo do gato na direção dos seus eleitores:
- Bueno, vou devolver os premios das loterias pra Caixa... E talvez inté lhes empreste algum do que tá sobrando.
MORAL DA HISTÓRIA - Nem sempre as necessidades fisiológicas são satisfeitas com fezes e urina. Podem, no entanto e invariavelmente, ser feitas de imoralidade e sem-vergonhice.
11 de nov. de 2011
FIM DE CASO
Era coisa de 10 horas de uma noite de inverno, cheguei de gabardine tipo Jean Gabin, gola levantada cobrindo metade da cara, chapéu de aba encostada na testa, um Colúmbia com filtro no canto da boca, com pose de Humphrey Bogart.
Varri com os olhos o salão habitado por uma falange de meia dúzia de marafonas desencantadas pela espera da clientela que não aparecia para dar movimento à casa de prostituição que um dia fora um sucesso de arromba.
As prostiputas não me deram a mínima atenção. Olharam e continuaram como estavam. Uma fumando uma piteira, ao mais puro estilo Marlene Dietrich; outra estirada no sofá esfarrapado, como se fosse a Cleóptara que ela vira no cinema da esquina.A loirinha mais bonitinha daquela legião de desesperanças levantou-se e, quando pensei que se encaminharia para mim, deu meia volta e foi para a sala dos fundos, onde ficavam a cozinha e a patente.
Patente, se você não sabe é, para os contemporâneos deste seu Garanhão de Pelotas, o quarto de banho, o popular WC.Uma delas, mais expedita, foi à eletrola Telefunken e botou um long play do Glenn Miller. Os acordes de Mooonlight Serenade povoaram o salão. O resto era silêncio e fumacê.
Uma gorducha bonitona, de olhos esgarçados e boca tão proeminente quanto seu ventre usado e abusado pela corrida do tempo e das batalhas de lençóis, aproximou-se com um sorriso simpático e pretensamente encantador:- Paga uma Cuba, bem?
- Eu sou tarado! - Grunhi em sua direção.
- Tá bom, mas tu me paga um cocrete também?
- Eu sou tarado! Se valer a pena, eu pago a Cuba, o croquete e o michê...
Ela olhou para as outras. Nenhuma delas mostrou qualquer interesse. A gordinha quis saber mais. E já, em tom de consentimento, foi se chegando:
- E qual é a tua tara?Calei-me, tirei a mão do bolso, livrei uma baforada brutal de fumaça e, apagando o cigarro no cinzeiro que estava na mesinha rococó ao lado do corrimão da escada que levava aos cômodos de sacanagem, abri um lado da minha capa e mostrei-lhe um relho, um rebenque desses de dar chicotada nos burros de carga.
Seus olhos ficaram maiores. E mais brilhantes. Sorriu sem mostrar os dentes. E me provocou:
- E o quê mais?...- Mais um pelego de ovelha. Que, se é que tu topas, eu vou buscar ali fora na minha charrete...
Ela topou. Eu fui e voltei. Logo subimos, sob o olhar petrificado das outras gurias sem-vergonhas.
Pois fomos. E foi tudo muito bem. E muito bom. Deitei-a no pelego, enchi seu lordo de relhaços, mordi, usei, abusei, entrei aqui e ali, sempre com muita chicotada e muito prazer.
Antes que a madrugada desse lugar ao dia, eu paguei a Bertolina - esse era o nome da gordinha safada - uma Cuba, dois croquetes e deixei em cima do bidê uma nota de dez contos de réis.Essa façanha se repetiu por mais de um ano. Sempre às sextas-feiras, das 10 da noite às quatro, cinco da madrugada. Eu a deitava sobre o pelego e a enchia de relhaços que deixavam marcas que subiam das nádegas até as espaldas graúdas e brancas.
Era uma felicidade só. Era bom para os dois. Eu já tinha me acostumado as suas banhas. Bertolina tinha tanto pneu na cintura que, quando ela suava, eu achava que aquilo poderia ser um viveiro de mosquitos da dengue. Mas era bom assim. E correu o tempo assim, bem assim.
Naquela outra longínqua sexta-feira eu não estava lá essas coisas. Cheguei ao Solar Branco já com o relho e o pelego embaixo do braço e subi com Bertolina para o quarto. Ela se preparou toda para o ritual de sempre. Deitou-se no pelego e esperou as chibatadas. Eu a penetrei direto. Não bati. Fui fundo. Fui e voltei. Fui e voltei. Fui e brochei... Bertolina se encanzinou:
- Quiéisso, meu taradão. Cadê o relho?!?- Não tô a fim de dar relhaço...
- Ah, não. Eu quero relho. Me bate, me bate!
- Não. Não vou te bater hoje. Nem hoje e nem nunca mais. Chega. Cheeega!
E logo me apressei a tirá-la do pelego e colocá-la na cama. Em seguida, me preparei para voltar à carga ligeira. Ela conformada, me aceitou assim mesmo. Sem pancada, sem pelego e sem rebenque.
No meio do ato, olhei seus olhos. Grossas lágrimas escorriam pelo seu rosto. Manchavam de cima abaixo aquela sua cara larga. A curiosidade e até certo sentimento de dó e piedade me fizeram fracassar outra vez. Saí de dentro dela. Virei-me de lado. Peguei um cigarro no bidê e me dediquei então a Bertolina outra vez:- O que é isso, guria, tá chorando por quê?!?
Seu choro era quase convulsivo. Eram lágrimas verdadeiras. Choro assim de quem está apaixonado. Não conseguia falar direito. Soluçava.
- Fala guria, que choro é esse?Ela se aconchegou, abraçou-me com ternura e quase implorando, me disse a razão de sua tristeza:
- Snif, snif... Tu desprezou o pelego!... Snif, snif... Tu não quer mais me bater... Snif, snif... Tu brochou, tu brochou!
E aí desandou no choro:- Ahhhh, tu não gosta mais de mim!
E foi assim que, com os erros do seu português ruim, acabou o encanto. Deixei de ser tarado naquele dia. Foi o jeito que encontrei para acabar com aquele caso que já estava ficando sério demais, já tinha virado uma paixão mal-resolvida. Nunca mais vi Bertolina na minha vida. O pelego e o rebenque ainda estão lá no porão de casa. Hoje, eu já não sou mais tarado. Virei sado-masoquista.
MORAL DA HISTÓRIA – Todas as paixões exageram alguma coisa e são paixões justamente porque exageram. (Chamfort)
A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO
Pois eu era, naqueles tempo bicudos, diretor de teatro. Bolas, o Garanhão de Pelotas já fez e já foi de tudo um pouco na vida. Diretor de teatro, sim. Teatro dos Bancários. Meu passaporte para transitar pelos camarins daqueles vocacionados artistas amadores era o balcão de Contas Correntes do Banco Agrícola e Mercantil, hoje falecido.
José Luiz Mendonça, o Joca, meu colega de datilografia na missão cotidiana de "fechar" o livro Diário, protagonizava uma adaptação da história "A Volta do Filho Pródigo". Quem fazia o filho pródigo não interessa, o importante é que Joca Mendonça desempenhava o papel de pai do filho.
O amador que bancava o filho que volta pra casa era meio tapadão. Tinha dificuldade para decorar textos, relembrar falas, inventar "cacos". Joca, não. Era bom de decoreba, de interpretação, de impostação de voz, de mise en scène.
O primeiro ato terminava com a volta do filho pródigo, uma entrada intempestiva em cena que surpreendia o pai, de pijama, sentado numa poltrona da sala, lendo um jornal. O diálogo era rápido e rasteiro. A primeira fala era uma exclamação do pai, supreendido pelo retorno inesperado. Coisa fácil para fechar o ato e cerrar as cortinas do espetáculo.
Teatro 7 de Abril lotado, silêncio da platéia atenta e o destrambelhado filho abre com estardalhaço a porta, sacudindo o cenário que quase fez desabar a rotunda. Desastrado antecipa-se ao pai, trocando as bolas e as falas. Mete a cara em cena e, com pose de grande ator, brada para o pai:
- O que vem você fazer aqui?
O cara roubou a fala do Joca. A platéia leva um susto, ri e, diante do amor ao teatro, fica na expectativa do que iria acontecer a partir dali. Silêncio, de novo. Joca, num rasgo de seu enorme talento, levanta-se, vai com ar de real indignação ao encontro do ator desastrado e conserta tudo, com presença de espírito e vasta capacidade de improvisação:
- Eu é que te pergunto, filho ingrato! O quê vem você fazer aqui?!?
E, sem complacência, coloca as duas mãos nos ombros do filho pródigo e o expulsa de cena. Bate a porta na cara dele. Volta para a poltrona, pega o jornal e finge que o lê, enquanto o pano cai.
MORAL DA HISTÓRIA - Filho que nasce pródigo, mesmo quando volta para casa continua perdulário. É capaz de jogar fora até mesmo uma peça de teatro.
José Luiz Mendonça, o Joca, meu colega de datilografia na missão cotidiana de "fechar" o livro Diário, protagonizava uma adaptação da história "A Volta do Filho Pródigo". Quem fazia o filho pródigo não interessa, o importante é que Joca Mendonça desempenhava o papel de pai do filho.
O amador que bancava o filho que volta pra casa era meio tapadão. Tinha dificuldade para decorar textos, relembrar falas, inventar "cacos". Joca, não. Era bom de decoreba, de interpretação, de impostação de voz, de mise en scène.
O primeiro ato terminava com a volta do filho pródigo, uma entrada intempestiva em cena que surpreendia o pai, de pijama, sentado numa poltrona da sala, lendo um jornal. O diálogo era rápido e rasteiro. A primeira fala era uma exclamação do pai, supreendido pelo retorno inesperado. Coisa fácil para fechar o ato e cerrar as cortinas do espetáculo.
Teatro 7 de Abril lotado, silêncio da platéia atenta e o destrambelhado filho abre com estardalhaço a porta, sacudindo o cenário que quase fez desabar a rotunda. Desastrado antecipa-se ao pai, trocando as bolas e as falas. Mete a cara em cena e, com pose de grande ator, brada para o pai:
- O que vem você fazer aqui?
O cara roubou a fala do Joca. A platéia leva um susto, ri e, diante do amor ao teatro, fica na expectativa do que iria acontecer a partir dali. Silêncio, de novo. Joca, num rasgo de seu enorme talento, levanta-se, vai com ar de real indignação ao encontro do ator desastrado e conserta tudo, com presença de espírito e vasta capacidade de improvisação:
- Eu é que te pergunto, filho ingrato! O quê vem você fazer aqui?!?
E, sem complacência, coloca as duas mãos nos ombros do filho pródigo e o expulsa de cena. Bate a porta na cara dele. Volta para a poltrona, pega o jornal e finge que o lê, enquanto o pano cai.
MORAL DA HISTÓRIA - Filho que nasce pródigo, mesmo quando volta para casa continua perdulário. É capaz de jogar fora até mesmo uma peça de teatro.
9 de nov. de 2011
1ª DEGUSTAÇÃO VERTICAL DO MUNDO DE JOHNNIE WALKER
Foi uma coisa nunca vista. O bom gourmet e melhor degustador de maltes puros, Luiz Carlos Gerth Dias abriu, no Iate Clube de Brasília, em petit comitée, a sua seleção completa de Johnnie Walker.
Formamos uma falange de fígados blindados de oito amigos para a primeira Degustação Vertical da história mundial da família que nasceu na Escócia, cresceu no condado de Ayrshire para procriar-se em 130 milhões de garrafas anuais pelo planeta afora.
A regra era simples: começando pela embalagem mais jovem, nós oito degustávamos tantas doses quantas pretendessemos de cada garrafa daquela legião de sabor público e notório; a cada 30 minutos, um mini despertador implacável determinava a abertura solene de mais um exemplar, sempre seguindo a cronolgia etária daquelas divindades.
Soubemos no dia seguinte que todos havíamos sobrevivido. Há imagens comprobatórias, posto que as fotos não mentem, jamais. Voltamos à realidade humana sem um pingo de dor de cabeça. Good whiskey is known the next day.
2 de nov. de 2011
NEM SEMPRE A VOZ DO POVO...
Pois eu, nesses tempos que correm desempenho o papel de consultor da República para assuntos de saúde, previdência e política. Não faço nada. Só observo e consulto. Se sou consultor da República, sou republicano; se republicano, ninguém é mais petista do que eu.
Justo é, pois, que me concentre no que se passa com meu presidente de honra, hoje atropelado por um câncer na garganta. Fico, no entanto, na periferia da coisa. Mais para fila do SUS do que para corredor do Sírio-Libanês.
Fiquei ciente, a horas tantas, de tudo que aconteceu na visitinha de médico que Dilma fez ao paciente Lula. E atento, por igual, ao que decorreu do breve encontro em que, aquele que não desencarna aproveitou para fazer uma pequena chantagem emocional: pedir para Dilma ser sua interlocutora junto a Marta, dizendo-lhe que desista de ser prefeita paulistana e deixe a mamata para Hadad, o Estapafúrdio.
Não deu outra. Dilma, a presidenta, foi diligenta. E aqui entrei eu, o Garanhão consultor que, a conveniente distância observei o chá das cinco entre as duas madames brasileiras e republicanas.
A primeira-mulher-presidenta Dilma, ao pedir a Marta para abandonar a disputa pela candidatura petista à prefeitura de São Paulo atendeu, na realidade, a duas vantagens pessoais: 1ª) agradou ao combalido Lula; 2ª) tentou acelerar a saída de Fernando Hadad do MEC, o que não acerta um Enem na vida. O diálogo entre elas foi rápido e esclarecedor:
- Marta, você disputa?
- Digo!
Pronto. Missão cumprida. E ainda mal-resolvida. Lula continua apreensivo e sem voz ativa nesse caso.
MORAL DA HISTÓRIA - Nem sempre a voz do povo soa como a voz de Deus.
Justo é, pois, que me concentre no que se passa com meu presidente de honra, hoje atropelado por um câncer na garganta. Fico, no entanto, na periferia da coisa. Mais para fila do SUS do que para corredor do Sírio-Libanês.
Fiquei ciente, a horas tantas, de tudo que aconteceu na visitinha de médico que Dilma fez ao paciente Lula. E atento, por igual, ao que decorreu do breve encontro em que, aquele que não desencarna aproveitou para fazer uma pequena chantagem emocional: pedir para Dilma ser sua interlocutora junto a Marta, dizendo-lhe que desista de ser prefeita paulistana e deixe a mamata para Hadad, o Estapafúrdio.
Não deu outra. Dilma, a presidenta, foi diligenta. E aqui entrei eu, o Garanhão consultor que, a conveniente distância observei o chá das cinco entre as duas madames brasileiras e republicanas.
A primeira-mulher-presidenta Dilma, ao pedir a Marta para abandonar a disputa pela candidatura petista à prefeitura de São Paulo atendeu, na realidade, a duas vantagens pessoais: 1ª) agradou ao combalido Lula; 2ª) tentou acelerar a saída de Fernando Hadad do MEC, o que não acerta um Enem na vida. O diálogo entre elas foi rápido e esclarecedor:
- Marta, você disputa?
- Digo!
Pronto. Missão cumprida. E ainda mal-resolvida. Lula continua apreensivo e sem voz ativa nesse caso.
MORAL DA HISTÓRIA - Nem sempre a voz do povo soa como a voz de Deus.
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