25 de set. de 2011

O DIA DA PROSTRAÇÃO

Eu vi no sorriso agradável da secretária que me encaminhou para a sala de consultas do Dr. Proctógenes Dédalo, um sinal evidente de que ela percebera o brilho de avidez nos meus olhos. Capitulei diante do ar irônico que ela não conseguia esconder ao encaminhar-me para o imediato atendimento.

Aquela bonita macaca velha sabia do que se tratava. Não era nenhuma pitonisa. Ali só se tratava daquilo. E a minha ansiedade estava na cara. Era o rosto de quem se deixaria manipular no mais recôndito espaço vital da virilidade de um verdadeiro garanhão.

Passei com meu salvo conduto de cliente Vip pelos três ou quatro pacientes que aguardavam a sua vez de sentir os cutupicos, fazendo força para que não notassem no meu semblante qualquer vestígio de emoção.

Vá que um daqueles leguelhés tivesse boas idéias a respeito de minha visita ao doutor. Presumiriam, decerto, minhas tendências para a vida boa, vida alegre. De minha parte, notei de relance que havia uma espécie de felicidade conformada e contida em cada um deles.

Esses caras, eu manjo. Mal podiam esperar por mais uma sessão de uma boa massagem no esfíncter e suas redondezas. Tinham todos cara de um último tango em Paris.

O doutor me recebeu de braços abertos e um riso de dentes bonitos; tão bonitos que combinavam com seus olhos verdes que ladeavam um nariz bem feito para um rosto de meninão do Rio, de corpo sarado que vestia um jaleco de fina estampa que lhe caía como uma luva!

Nossa! Só aquilo já me causava arrepio. Mas tinha um pouco mais. Senti que tinha bem mais quando ele me segurou a mão com suas duas manoplas quentes e macias, num cumprimento que era, na verdade, uma agradável recepção, uma acolhedora manifestação de boas-vindas.

Mantive a devida distância. Não entreguei o ouro. Sentei-me diante de sua mesa de consultas e, enquanto eu lhe confirmava os dados contidos em minha ficha pessoal de estréia, eu não conseguia desviar a atenção do pai-de-todos da sua mão direita

Aquilo não era um dedo; era um instrumento fálico de conquista acostumado a corriqueiras incursões aos mais diversos bastiões de masculinidade. Minha cabeça conseguiu entrar no foco da complementação do cadastro médico:

- É a primeira vez?
- Como assim?
- Que você se dispõe a...
- Que fico prostrado? É sim, doutor.
- Não se assuste.
- Imagine.
- Você tem alguma preocupação?
- Assim, de ordem psicológica, não. Talvez de cunho corporal.
- Como assim, digo eu agora...
- É que eu gostaria de saber, doutor: depois do exame minucioso que eu sei que o senhor vai fazer, eu voltarei a ser o mesmo?
- O mesmo?
- É. Vou poder continuar desafiando meus amigos a fazer a prova da farinha? Terei as mesmas 30 pregas, ou ficarei com algum vestígio de que já levei ferro na vida?
- Ferro na vida?
- É. Bola nas costas.
- Nem se preocupe. Essas coisas são como crimes de colarinho branco, não deixam pistas. E se deixam, ninguém dá bola.
- Ah bom. Então tô prontinho pra você, meu doutor.

Ele não perdeu tempo. Encaminhou-me para trás de um biombo de luxo, com voz macia e quente me orientou sobre a melhor posição. Meio acanhado baixei as calças, deitei-me de peito para cima, joelhos dobrados e as pernas em V... V de vencido.

Minha posição majestosa parecia-se com o jeito que as grávidas adotam para um exame ginecológico. O proctológico é só a versão masculina da caprichosa invasão de privacidade.

Pois ele se aproximou. Seu dedo infiltrou-se pelos meus caminhos nunca dantes percorridos. E, de frente pro crime, olhando-me nos olhos, foi fundo. Cheio de curiosidades. Rodopiou lá dentro, pelas reberbelas e intertelas. Sem um naco de emoção.

Quando estava ficando bom, terminou. Sem qualquer sentimento. Sem um pingo de dor. Vai ver que é por isso, por não doer, que há tanta gente viciada em exame de próstata.

Extremamente profissional aquele rapagão saiu-se de mim. Livrou-se da luva e com o desdenhoso e tradicional sorriso do dever cumprido, me deixou à vontade. Sua voz já não era de um proctologista; tinha mais o som gutural de um oculista.

- Sentiu alguma coisa, Garanhão?
- Senti que foi rápido, meu doutor...
- Ah, sim. Acontece. Agora, fique à vontade e, se quiser, pode usar o sanitário aí ao lado.

Aí gelou geral. Ainda de calças meio arriadas, dirigi-me para o luxuoso lavado do consultório. Enquanto me higienizava, remordia-me de desilusão:

- Putamerda, borrei o dedão dele!

E foi assim, sem mais nem menos, que tudo terminou. O diagnóstico me foi repassado pela recepcionista quando eu já me encaminhava para um dos elevadores que serviam aquela torre do prédio de clínicas da saúde. Eu não tinha absolutamente nada. Minha próstata estava zerada.

O que me carcomia era aquele desejo intenso que, desde então, carrego até hoje comigo. É uma vontade de fazer loucuras que me faz cócegas irresistíveis bem naquele lugar que não dou para ninguém. Só empresto.

É uma crise crônica que me acometeu depois daquele exame inaugural. Bem que me avisaram que esse caminho não tinha volta. A próstata está ótima, cada vez melhor.

O problema agora é que não consigo passar duas semanas sem ir a um proctologista. Conheço todos nos eixos Rio-São Paulo e Brasília-Nova Iorque- Paris-Londres. Consulto com um de cada vez. Não repito nunca. Ninguém fica sabendo dessa minha adorável síndrome. E você aí, cale a boca que eu sei o que você fez no último verão.

MORAL DA HISTÓRIA – É muito, vale muito e pode muito o coração que sente as coisas como homem e as dissimula como discreto. Quem não sabe dissimular, não sabe o que é viver.