Eis que este seu Garanhão de Pelotas tinha mandado o mundo parar pra dar uma decidinha, cofiar os pelos de um cavanhaque mal aparado - eis que andava meio troncho de saudade, meio macambúzio, de bofes virados, de saco cheio de, uma vez mais na vida, ter bolado as trocas e me aperreado por coisa pouca, bobagem.
Causo é que nem me dei conta de que, mais do que primavera, o dia bonito que nem gaúcha faceira era 20 de Setembro. Porra! Uma data, galo véio! Dia 20 de Setembro, um naco da história bem contada; talvez um pouco aumentada... Mas um bocado, um fatiaço de um baita bolo, uma tremenda guerra intestina que botou muito cabreiro a correr.
Dia 20 de Setembro, tchê! Revolução Farroupilha! Sabe lá o quiéisso, guampudo? Dia da Revolução e eu aqui, com saudade da chinoca, com ciúme dos que foram seus maridos. Sabe lá do que foi que me esqueci? Botei as minhas dores na frente dos ais e dos requebros de bota e espora dos colorados e dos maragatos!
Pois me separei dos separatistas e nem dei pelas quebradas que há coisas na vida, sob o céu dos Pampas e o zunir do Minuano que são maiores que as tristezas de um caboclo que, desde mandinho, se vestiu de rendas e calças justas, que nunca matou passarinho - a não ser bentevi a soco - que trocou as pradarias pelos pátios de colégio...
Tinha minhas razões para fugir da raia, afinal eram 40 mil separatistas republicanos contra 60 mil soldados imperiais. E eu queria ser separatista. Achei que era mais que tempo, guerra perdida. Não fui. Mas o que passou, passou. Voltemos, pois, ao dia de ontem.
Pombas! Era Dia 20 de Setembro. Revolução Farroupilha. Guerra dos Farrapos. Revolta para instalação da República Rio-Grandense! Mas tem uma coisa: isso tudo já faz tempo. Minha memória não é mais lá essas coisas. Só sei que tudo começou no 20 de setembro de 1835 e se foi até março de 1845.
Não é nada, não é nada, lá se foram 10 anos de baionetas muito mais berrantes do que caladas. E eu não estava lá. E se estivesse daria no pé. E a pé, pois jamais caí de égua porque nunca montei um cavalo. Como um nobre e requintado Garanhão de Pelotas eu tinha mais o que fazer.
Era só o que me faltava tomar chimarrão com o tal de Bento Gonçalves, eu queria mais era saber de Anita. Imagine-me num churrasco de chão com Giuseppe, tão Garibaldi quanto Anitinha - aquilo sim é que era guerrilheira, não essas que andam por aí de bolsa família à tiracolo.
Pense um pouco, tenha juízo: eu seria macho bastante para trocar idéias com Antônio Souza Neto, Davi Canabarro, Manuel Marques de Souza, Lima e Silva, Bento Manuel Ribeiro, Pedro II e outros nomes de rua?!? Macho eu sei que sou, sempre fui. Pero no mucho; nem tanto assim.
Aqueles guascas eram bons de briga, tchê. Toscos, rudes, chucros e valentes, eles gostavam dum entrevero. Disso eu também gosto. Mas tem que ter no meio, lençol e uma prenda bonita, de boca pintada e olhar guarani.
Pois então, como eu ia dizendo lá no princípio de tudo: eu me esqueci do 20 de Setembro. Me esqueci, da Revolução Farroupilha. Estava - disse e me garanto - macambúzio, cabisbaixo, de maus bofes, meio desesperado, depauperado, depau... Deixa pra lá.
Me esqueci, chinoca. E foi por causa tua! Estavas por perto. Mas eu tava longe. Me afastei até de mim mesmo, só pra ver se sozinho eu ficava bem acompanhado. Aí, me veio um lembrete. E eu, macanudo véio, me lembrei de tudo. Acho que ainda dá tempo de chegar pra algum desfile.
Vou pegar meu pingo, minha cúia, minha bomba, meus pedaços de carne e me aprochegar do meu rincão. Lá sou amigo do rei... Epa, não é lá que o rei é meu compadre, é em Pasárgada. Mas, vou agora mesmo botar sebo nas canelas e me mandar pra lá, acho que ainda vejo alguma parada de gaúchos e prendas, vestidos a caráter - que caráter é o que não lhes falta. Dá licença, que tô indo.
Ala putcha, tchê! Cai do cavalo. Esqueci que nunca montei na vida. Nem um alazão, um baio sequer. Sou Garanhão de Pelotas, porque nasci assim, o Patrão Velho lá de cima, me inventou desse jeito... Tô bem de Inventor, hein tchê?!?
Tô bem de Inventor, mas muito mal de montaria... E de memória. Ontem era Dia 20 de Setembro. E hoje, esse animalão aqui me olhando como se eu fosse um gaúcho bunda-mole... Bunda mole, doída e estatelada no chão da pátria neste instante. Sabe dum causo triste? Se há coisa que não agüento na vida é o olhar emburrecido de um cavalo!
Ei, táxi! Táxi!
MORAL DA HISTÓRIA - Se não é a alma de uma chinoca aconchegante, uma nação não vale uma guerra. Inda mais quando a prenda nos deixa em farrapos.