Fernando Costa sempre foi meu neurologista. Meu e de todo o Cone Sul. Seu idioma clínico é e sempre foi de uma precisão suiça e de uma frieza patagônica. Nunca fez rodeios. Disse sempre na lata o que o paciente tinha. De bom ou de ruim.
Eu era seu parceiro de aventuras esportivas pelas quadras do Dunas Clube. Quadras de tênis e de pádel, já que de futebol ele não manjava nada. Era mais perna de pau do que cadeira dura em modalidades de raquete.
O melhor de todos os certames era sempre a rodada de uísque e acepipes de depois. As melhores jogadas eram as que ninguém tinha visto e as histórias eram todas verdadeiras, disfarçadas de mentira.
Fernando não se continha. Um dia notei marcas vermelhas nos meus braços. Onde eu batia com a raquete, ou onde quer que eu levasse uma pancada, logo ficava uma nódoa feia que persistia por meia dúzia de dias para depois sumir como que por encanto.
Eu quis saber de Fernado o que era aquilo:
- Fernando o que é isso aqui.
- Nada, Garanhão. Isso é bobagem.
Quinze, vinte dias depois. De novo as manchas apareceram. Voltei à carga:
- Fernando, e essas manchas?
- Nada, Garanhão, nada... Não dá bola pra isso.
- Para com isso. Diz logo do que se trata..
- Bem, já que você quer saber, isso é... Púrpura senil.
- Púrpura... Púrpura senil?!?
- É, só dá em quem tem mais de sessenta anos.
Bem feito. Quem me mandou ser curioso. Curioso e medroso. Eu achava que poderia ser aquilo que Lula tem hoje na garganta, ou coisa que o valha. Não era. Ora, púrpura senil eu tirava de letra.
E Fernando Costa, meu neurologista meio pisquiatra, analista e parceiro de jornadas clubísticas, era bem assim. Sua linguagem clínica era um estilete; tinha a precisão de um bisturi.
De outra feita, eu andei fazendo um regime de matar. Não deixava de comer nada do que eu gostava. Mas contava calorias. Não absorvia mais do que 900 por dia. Emagreci uns 12 ou 13 quilos.
Numa dessas saídas de quadra, gelinhos tilintando em copos atopetados de Chivas Regal, Fernando - vingativo como ele só e brabo porque havia perdido mais uma partida para mim, olhou-me e com a mordacidade que tirava dos confins da Patagônia, me disse entredentes:
- Todos os meus amigos que emagreceram desse jeito, foi sempre por duas únicas razões...
- Duas razões?
- É. Estavam com câncer ou arrumaram uma amante.
Calei-me. Fingi que me preocupava com uísque em minhas mãos, quando ele - com olhos de freguês de caderno - não me perdoou:
- Garanhão, você... Eu garanto, não tem câncer.
MORAL DA HISTÓRIA - As coisas que ouvimos quando as provocamos são sempre mais verossímeis do que as que escutamos antes de nos irritarmos.