Programa do Governo
(Esta saiu do Baú do Jirau - uma das alas do blog Sanatório da Notícia)
(Esta saiu do Baú do Jirau - uma das alas do blog Sanatório da Notícia)
É o componente mais importante de um ritual que começa para mim invariavelmente com uma rápida navegada pelos jornais virtuais, "para colher a pauta do dia" extraída sempre da mídia pelo meu chefe no Ministério, cujo nome nem m passa pela cabeça, mas onde eu e ele ocupamos dois bons salários para não fazer nada.
É uma azáfama de inutilidade que se repete há bons nove anos, quase uma década, graças à minha carteirinha do PT que substituí por diplomas, currículos e aptidões para qualquer coisa, ou tipo de atividade.
O que não me passa pela cabeça - nem pense nisso! - não é o nome do meu chefe, isso eu tenho obrigação de saber; o que não me passa pela cabeça é o nome do Ministério.
Nunca ninguém me informou sobre esse pequeno detalhe e nem eu mesmo jamais me dei ao desplante de tamanha e tão impertinente curiosidade.
Depois da breve navegação, já de terno, colarinho branco com uma suspeita e rósea mancha de batom no colarinho, sinal da gandaia de sábado num já costumeiro coquetel para festejar a ascensão ou a queda de mais um ministro - eu nem me lembro bem, já que vodca me dá lapsos de memória - aprecatei-me para escutar o plano de poder semanal da momesca criatura, Dilma - A Primeira e Única.
Sim, plano. É que programa de governo mesmo, Dilma tem esse aí, de rádio e olhe lá!
Sorvendo o café que me foi posto em pratos limpos pela governanta do meu apartamento funcional na Asa Norte, aprumoei-me na confortável cadeira de espaldar alto, ao lado do aparelho radiotransmissor e inteirei-me do que deveria mandar meus subordinados mandarem seus inferiores fazer ao correr da semana.
Fiquei sabendo de tudo. Dilma falou, tá falado: O PAC desempacou; o Minha Casa Minha Vida é todo nosso; Luz para Todos já chegou e tem mais; O Brasil Sem Miséria existe e taí pra quem quer ver a vida com bons olhos; sim, Zé Dirceu e seus mensaleiros continuam soltos; Dilma hexa-campeã em perda de ministros caminha célere para a sétima, a oitava, a 15ª varredura de uma dessas heranças benditas que Lula lhe deixou.
Bom, pelo menos, o nome do meu querido ministro, o José da Silva, - todo governista terceirizado é José - não foi lembrado... Ainda.
Ah, sim, a presidenta está "consternada" com o incêndio na base brasileira da Antártica. Prometeu, inclusive, que vai mobilizar a Brahma e a Skol para retomar imediatamente as pesquisas. Não se pode desperdiçar gelo assim desse jeito... Água é vida!
Epa! Taí um bom título de projeto a ser lançado e terceirizado pelo "meu" Ministério. Projeto Água é Vida! Nunca antes na história desse país alguém pensou nisso. Pelo menos com esse nome - matutei, eufórico e cheio de pompa e circunstância, como nunca antes na minha história como Garanhão de Pelotas.
É por isso que eu não perco um "Café com a Presidenta". Sempre tiro alguma coisa que preste. Ela é bárbara! Tártara! Lança ideias e projetos assim ao léu, como se não estivesse dizendo e nem querendo nada.
E então, devidamente abastecido de notificações oficiais, Zé levantei-me, peguei os dois celulares, o cartão de crédito corporativo, assumi o comando de meu carro seminovo blindado e de chapa branca que por direito me cabe o uso e o fruto, ainda que modesto ocupante de um cargo em comissão de baixo es/calão dessa República dos Calamares, como são todos os chefes de gabinete ministerial. Acionei o controle remoto.
Pronto, o portão instransponível do prédio público que lm assegura a integridade física e moral de cada dia mal passado e cada noite bem dormida, abriu-se como uma porta de Sésamo para uma nova semana de sol radiante e de missões a cumprir.
Olhei meu Pateck Phillip (o rapa na Feira dos Importados sempre deixa um rescaldo para os aloprados mais atentos) que me ornava o pulso:
- Noossa! Quase 10 horas da manhã! Hoje a nossa presidenta se alongou demais no seu breakfast. Vou me atrasar para a reunião das 11 - pensei, sacudi a cabeça e saí cantando pneu pelo trânsito já descongestionado de Brasília.
Cheguei no meu gabinete. A secretária me informou que a reunião estava transferida para amanhã; bolas, o chefe estava gripado e acabara de cancelar todos os compromissos de hoje.
Cheio de mim, pela vacância eventual da chefia, tomeio os devidos ares de administrador-geral. Convocquei um rápido briefing com os 16 servidores terceirizados numa escala abaixo da minha e determinei, peremptoriamente, que ninguém tentasse criar qualquer novidade na rotina ministerial. Ninguém inventa nada, pô!
Todos deveriam esperar que o chefe se curasse da influenza com ares de pneumonia, ou coisa parecida. Que ficassem tranquilos, já que os primeiros diagnósticos do mal do chefe não tinham nada a ver com a epidemia de tumores incuráveis que grassa pela Esplanada e assola o nosso saudável governo.
E a segunda-feira correu normal. Às 11h30 saí para almoçar. Ás 15h eu já telefonava para os companheiros de terceirização combinando o happy hour de sempre, naquela mesma mesa, daquele mesmo bar-restaurante, onde a gente resolve os problemas da América Latina, da ONU e do mundo.
Do Brasil, claro que não se fala. Ninguém mais patriota que nós. Talvez, só o que desfralda essa bandeira como nome próprio. O Brasil para nós, não tem problema. Isso, a gente vai dizer amanhã, com todas as letras do novo acordo ortográfico para a mídia persecutória. A gente faz saber; saber fazer é besteira.
MORAL DA HISTÓRIA - Privatização, teu nome é terceirização.