30 de jan. de 2011

Olho por Olho

O que não falta nesse paraíso de bananas e bananões é balaqueiro. Brasileiro é gabola por natureza. De jogador de futebol a presidente da República, todo mundo é fanfarrão. O próprio Garanhão de Pelotas   é um farofeiro vocacionado, um parlapatão de alta linhagem.

Nesse Brasil que vai se criando, mentir é sempre um prazer. O Garanhão  sabe, talvez melhor do que ninguém, que a fanfarronice está intimamente ligada à punição de ter que aturar mentiras e seus mentirosos. Faz parte.

Pois, numa dessas tardes jogadas fora numa quadra de tênis com amigos, entre um set e outro, o Garanhão  parou para uma boa dose de água tônica com gelo e limão enquanto se queixava de um pequeno assédio de hipoglicemia. Havia dezenas de bolinhas escuras pululando ao redor de seus olhos. A visão estava turva. Mas, com o quinino refrescante, tudo já voltaria ao normal em seguidinha.

Seu parceiro, Paolino Micheletto - filho de pais italianos - não perdia oportunidade para empurrar em qualquer conversa um toque de fanfarronice. Aquela coisa de olhos o transportou logo para o mundo da imaginação e cutucou o Garanhão, ao enxugar o suor do rosto com uma toalha felpuda:

- Lá em Gênova, onde meus pais nasceram, você não teria esse problema...
- Perturbação nos olhos?
- É. Lá a oftalmologia está muito avançada. Imagine que minha avó ficou cega e os médicos fizeram dois olhos com bolas de gude e ela agora enxerga que é uma beleza!...

O Garanhão  bebericou o refrigerante reparador, mas não engoliu a lorota de Paulino. Não perdeu tempo:

- Pois, aqui mesmo em Brasília, no Setor Industrial, meu irmão perdeu a mão esquerda numa prensa hidráulica e hoje não tem problema nenhum;
- Não tem?
- Nenhum. Os médicos do Hospital de Base botaram uma teta de vaca no lugar da mão dele. Agora, quando ele quer tomar leite, só espreme um dedo e pronto...
- Mas úberes só tem quatro tetas... Falta um dedo.
- Pois ele está até pensando em ser candidato a presidente da República nas próximas eleições...

Paolino Michelleto quase caiu para trás. Manteve-se em pé apenas porque sabia que mentira é assim mesmo, uma puxa a outra. Mas reclamou:

- Essa, não. Essa é demais. Eu quero ver para crer. Traga ele aqui que eu quero ver...
- Ele até pode vir, mas antes, você vai ter que trazer a sua avó com os olhos de bola de gude que aí eu mostro pra ela o meu irmão tomando leite.

Antes que a coisa fosse mais longe, a hipoglicemia tinha passado e o Garanhão  já foi logo se dirigindo para a quadra. Precisava meter um 6 a 0 naquele balaqueiro, só pra ele ver o que é bom pra tosse.

MORAL DA HISTÓRIA - Tanto a mentira é melhor quanto mais parece verdadeira; tanto ela agrada mais quanto mais tenha de duvidosa.

O Ronda

Era uma vez o Grupo Garanhão & Cia. Ltda. Um conglomerado de iniciativas empresariais de considerável porte. Seus negócios flutuavam da revenda de automóveis importados, peças, acessórios, serviços de oficina, até casas de móveis, decoração, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, consórcios, materiais de construção.

O Garanhão era o grande patriarca daquela família de lucrativos empreendimentos. Empreendedor, afável, determinado, tolerante e, acima de tudo, um homem bom e justo. Um patrão como poucos.  Era sempre o primeiro a chegar na firma. Cedo tratava de tudo e de todos.

Certa manhã, quase meia hora antes do horário de expediente, abriu a loja de eletrodomésticos. O ronda, pessoa humilde e necessitada do emprego, chegou-se lépido e bajulador ao chefe. Deu-lhes as boas-vindas matinais e querendo agradar, puxou assunto e revelou-se:

Reprodução
- Bom dia, patrão.
- Bom dia.
- Que bom ver o senhor aqui, já tão cedo. Sabe, eu sonhei a noite inteirinha com o senhor...

O que mais disse nem foi ouvido pelo Garanhão. No dia seguinte o segurança foi transferido para o turno da tarde e designado para a função de conferente de estoque. Como vigilante, o Garanhão achava que ele tinha o sono muito pesado.

MORAL DA HISTÓRIA - A justiça não é outra coisa do que senão a conveniência de quem pode mais.

28 de jan. de 2011

As Múmias

O Garanhão Jones, na pele do Indiana de Pelotas foi ao Egito, matou a cobra e mostrou o pau: Mubarak é a múmia do Sarkozy.

Férias na Aldeia Javaé

Depois de uma gélida aventura na Tanzânia, sob as neves do Kilimandjaro, o Garanhão de Pelotas  curtia uma temporada de merecido descanso no interior do Brasil. Para ele e duas de suas três secretárias-executáveis, todo dia estava sendo dia de índio. A outra, a ruiva, viajara para Uganda, lugar desse mundo onde foram parar as malas e bagagens da comitiva garanhense, extraviadas no voo de Dar Salaam para Kampala, capital do Congo.

O herói de todos os Pampas deixou que a loira e a morena se vestissem à moda da casa para que todos melhor aproveitassem os raios de sol senegalesco de Formoso do Araguaia, um paraíso rústico no sudeste do Tocantins, a 500 quilômetros de Palmas. Sentia-se como um nativo daquela aldeia javaé, etnia rica em caça, pesca e boa comida da flora que descobrira no meio do mapa brasileiro.

Por volta de meio-dia, antes de banquetear-se com os índios já seus amigos do peito há quase uma semana, o Garanhão  resolveu aplacar o calor banhando-se nas águas plácidas, refrescantes do rio convidativo e sereno que acariciava as margens do pequeno e hospitaleiro conglomerado indígena.

Descamisado e pés descalços, assim como se livrara por momentos da dupla de secretárias, destrinchou-se das bermudas e, do jeito que viera ao mundo mergulhou feliz de nádegas às escâncaras, penduricalho solto e balacochetas livres. Abraçou-se ao rio que o acolheu com aquele tipo de ternura que só a natureza pode dar aqui na terra aos homens de boa vontade.

E assim nadava à la grande. Entre braçadas e pequenos mergulhos, boiava de quando em vez, refazendo-se do calor inclemente.

Eis que então, surge de canoa, o amigo Kupakã - o Casca de Cipó, na verdade Álvaro Pedreira, um fotógrafo especializado em imagens e flagrantes indígenas. O amigo que conhecera na taba, vinha acompanhado pelo índio Kosuti - o Pequeno, parceiro de outras jornadas de fotografias de Álvaro Kupakã lá por aquelas bandas.

Feliz pela companhia dos dois tranquilos canoeiros, o Garanhão  ficou mais contente ainda quando o experiente Kosuti puxou assunto em domesticado idioma silvícola:

- Rio bom de tomá banho, né?
- É. Bom, sim...
- Água gostosa. Bom de nadar, né?
- Uma beleza... Venha, mergulhe logo; nade um pouco.
- Vô, não sinhô... Aí tá cheio de piranha e sucuri.

O Garanhão  virou Namor, o Príncipe Submarino. Nadou de costas num arrancada a 200 km por hora até saltar daquela aventura de Gibi para dentro da canoa.

Cozinhou as costas ao sol até que ele, Kupakã e Kosuti chegaram sãos e salvos à margem do rio. Nunca antes nesse país o Garanhão de Pelotas  imaginara como é bom um calorão assim nas costas... No bom sentido, é claro; em determinadas circunstâncias.

A menos de dez passos dali, uma sucuri de quase cinco metros de comprimento dormitava enrolada num tronco de árvore que se debruçava sobre o rio. Ela já tinha almoçado.

MORAL DA HISTÓRIA - Em rio que tem piranha o Garanhão de Pelotas nada de costas, tira o dele fora antes e mostra a cobra em cima do pau.

27 de jan. de 2011

O Fornecedor de Perfume

Sempre fiel a seus amigos, o Garanhão de Pelotas  toda vez que podia, dava uma mãozinha  e empurrava a caixa pro porão quando eles mais precisavam.

Tinha o Alemão, um antigo colega de classes colegiais que, por não ter continuado os estudos, acabou fornecedor de uísques legítimos do Paraguai e perfumarias de sotaque francês e de desembarques clandestinos no cais do porto da Raínha do Mar.

O Garanhão  sabia muito bem que o ambulante não era trigo limpo. Mas era velho parceiro, daqueles dos tempos de matar passarinho - não, a soco não! - com bodoque e de soltar pandorga nas cercanias da praça municipal. Então, merecia todo respeito e toda força.

Era do Alemão que o Garanhão  comprava, sistematicamente - quando pela terra natal aparecia - sempre o mesmo perfume de fragrância densa que lhe dava a sensação de estar pronto para um clima de competitividade sem limites.

 Garanhão  comprava o produto por duas razões: um empurrãozinho nos negócios do velho amigo e como uma espécie de homenagem ao criador daquele olor provocativo, o histrionico Jean Paul Gaultier, que estava na platéia do show "Brasiliah!" realizado pelo Garanhão  em Monastiraki, ao sopé da Acrópole, em Atenas. Foi num bom período do Garanhão  à Grega.

Jean Paul quase foi às lágrimas diante da performance do nosso herói pampesino cantando Garota de Ipanema em ingles, com sotaque de Santa Vitória do Palmar. De lá para cá, o Garanhão de Pelotas  só usa o perfume de Gaultier.

Pois, o Alemão sempre tinha a mercadoria. E, naquele entardecer, na esquina do Aquário - o café onde passa a vida da cidade, ele chegou com a muamba acondicionada em um pacote parecido com uma caixa de Sedex. Com ares furtivos e precavidos contra olhares estranhos, foi passando aquilo como se fosse por encomenda:

- Garanha, tá aqui a mercadoria.
- Boa, Alemão, passa um frasco desses pra cá.
- São cinco, Garanha - o diminuitivo era para dar mais intimidade à transação.
- Alemão, eu tenho uns dez ainda lá em casa...
- Quié isso, Garanha, encomendei esse lote só pra você. De barbadinha, ó: 115 dólares cada um.
- Ei, eu compro nas perfumarias por 85 a unidade...
- Não chora as pitangas, Garanha. Vou fazer a 100 dólares pra você.

Sabendo que o amigo estava com a corda no pescoço o requintado apreciador de perfumes mostrou que aceitava a oferta como precinho de ocasião.

- Tá legal... Quanto vai me sair isso?
- Barbadinha... Cinco frascos a 100 cada um, dá um total de... 850 dólares.
- Tá bom, tá bom... Tome aí 900 dólares.
- Tá certinho... Valeu, Garanhão.

E sem dar tempo para o freguês de caderno lhe pedir pelo menos os cinquentinha de diferença para tomar um cafezinho, ou coisa que o valha, o Alemão saiu separando um bolo de notas que enfiou no bolso direito, justo aquele que usava para guardar os lucros.

No lado esquerdo, embolsou 200 dólares para pagar ao fornecedor do cais, em Rio Grande - um explorador ganancioso que ousava lhe cobrar 40 dólares por um vidrinho de nada daquele perfume abichalhado.

MORAL DA HISTÓRIA - O que encontra um amigo, encontra um tesouro. (Sagrada Bíblia - Eclesiastes)

Hierarquia

Como, naqueles bons tempos, o serviço militar era obrigatório para todo e qualquer varão brasileiro que chegasse aos 18 anos de idade, o Garanhão de Pelotas  foi cumprir com seu dever cívico: servir à Pátria. Nem de longe sonhou em escapar da farda.

Não alegou, como era costume dentre os filhos das elites, doença no pulmão nem pé-chato, muito menos isso, marca de qualquer lhegalhé, filho de ralé. O Garanhão  tinha berço, era egresso da nobreza, não se tratava de nenhum berdamerda.

Para ele, embora não confessasse pra ninguém, o quartel era a sua primeira grande experiência longe das saias da mãe. Mais tarde ele reconheceu que foi na caserna que aprendeu os primeiros passos da própria independência.

Adaptou-se à vida da caserna. Guardou os coturnos sob encomenda na mochila; cumpria as ordens de comando de cabos e sargentos até a majores e coronéis. General, ainda não tinha nenhum por aquele Regimento de Infantaria.

Com arte e manha, conseguia manter a sua pose de nariz chimbé. Olhava - embora disfarçadamente - os seus compulsórios superiores com olhar superior também que, afinal, era um recruta de linhagem, não era um mocorongo que precisasse da bóia insossa do rancho e nem tampouco se prestava a serviços de mandalete.

Num quartel tem de tudo. Ele precisou de pouco tempo para identificar um cabo de caserna, desses feitos a martelo que, por antiguidade, ascendem à patente de cabo. Era um macaco velho, sempre precisado de grana e que, pelos anos de casa, sabia que duas divisas bastavam para meter medo em cada nova geração de recrutas.

Tinha o mau e lucrativo hábito de pedir dinheiro emprestado para sempre aos aprendizes de soldado. Não pagava nunca as contas. Dívida, ele botava no prego.

Não pagava, mas mantinha o ar de comando sempre que falava com os subalternos; guardava distância, que respeito é bom e todo mundo gosta.

Eram propinas tão pequenas que, no particular, não chegavam a doer no soldo de ninguém. Mas, no varejo, era um ótimo negócio: aquele Regimento tinha dois batalhões, com mais de mil recrutas cada um. Um cruzeiro - moeda de então - por cabeça dava um salário maior que o soldo dos quatro coronéis que mandavam no quartel.

Um dia, assim de passagem pela avenida central do quartel, o cabo pedinchão exigiu continência do recruta Garanhão  e já foi lhe perguntando com voz de quem manda:

- Soldado, você tem um cruzeiro pra me emprestar?
- Tenho sim, peraí...
- Tenho sim, peraí... Isso é jeito de responder a um superior?!?
- Hein?...
- Hein, não! Cabo é cabo, soldado é soldado. Pra você eu sou senhor, senhor cabo!
- Ah sim... Senhor.
- Agora melhorou. Então, você tem ou não tem um cruzeiro pra me emprestar, soldado?
- Não, não tenho... Senhor cabo!

O Garanhão  bateu continência, deu meia volta e volveu rumo à Sargenteação onde prestava serviços burocráticos a sua Companhia de Comando do 2° Batalhão de Infantaria. Livrou-se do assédio do cabo propineiro até o fim do ano, quando expirou o seu tempo de Exército. É até hoje reservista de primeira categoria.

MORAL DA HISTÓRIA - O Garanhão aprendeu ali que o menosprezo pela autoridade quebra a hierarquia e pode ser o princípio das revoluções.

24 de jan. de 2011

Negócios de Feira

Apesar da crise que os mais espertos que os outros chamavam de "marolinha", a Sociedade Agrícola bancava mais um grande feira internacional de bovinos, ovinos, equinos e hinos de tudo quanto era louvor. Inter assim, meio que pelas rebarbas, já que de fora vinha só urugauios e alguns argetinos. Mas negociar era preciso.

Mesmo com uma mão na frente e outra atrás, os balaqueiros de sempre não se deixavam intimidar pelos juros escorchantes e os financiamentos impagáveis. Quê aftosa quê nada; quê vaca louca o quê?!?... Remate na comunidade ruralista é isso mesmo, uma espécie de religião. Só que ninguém é santo.

O Garanhão de Pelotas  foi lá, de bota e espora; de mala e cuia. Leilão daqui, leilão dali, o fim de semana até que foi bom. Até porque, depois das rodadas de compra e venda, de oferta e procura, sempre tinha um uísquinho amigo e uns salgadinhos que preparava as gandaias com, as gurias mais doces que vinham pra assistir os shows de canto e dança. Naquela feira até a Elba Ramalho veio pro aconchego musical, trazendo na mala bastante saudade... Claro, teve o Gaúcho da Fronteira também. Era só o que faltava, ele faltar. E teve chula e sapateado, até malambo pintou no rodeio.

O bom de tudo é que saiu negócio. Quando a exposição terminou, todo mundo voltou pras estâncias a fim de tratar da vida que a lida do campo não pode esperar.

Tres ou quatro meses depois, o Garanhão  se pechou no centro da cidade com um ruralista daqueles criadores que sempre encontrava pelas exposições-feira. Foram tomar um café na esquina. No balcão, recordaram alguns lances do último remate:

- Tu te lembras daquele cavalo crioulo que eu rematei?
- Lembro, foi por R$ 50 mil, não foi?...
- Pois foi. Comprei por 50 mil e vendi por 100.
- A las pucha...
- Las pucha mesmo, não ganhei nem perdi.
- Capaz! Tu tens um parafuso frouxo, tchê? Compraste por 50 contos e vendeste pelo dobro...
- É que eu comprei e não paguei. Vendi e não me pagaram.
- Mas, então te sobra 50 de crédito.
- Tô contando com isso. Fim de agosto tem remate lá em Bagé...

A conversa se perdeu pela invernada. Como o basofeiro não se coçava, o Garanhão  pagou o cafezinho. Em setembro, os dois inscreveram suas cabanhas na tradicional grande feira da Rainha da Fronteira. Mas lá se aprecataram, pois cavalo se compra fiado, mas as gurias de vida fácil, cobram tudo na bucha, na boca da guaiaca.

MORAL DA HISTÓRIA - Aquele que perde a honra por um negócio, perde o negócio e a honra.

Honestidade

Parece até mentira, mas o Garanhão de Pelotas  sempre teve, dentre suas amizades, algumas bem cholas, fuleiras, quase muquiranas. Imagine que muitos de seus amigos até trabalhar em banco, eles trabalhavam.

Fiel as suas relações sociais e sem mais o que fazer, o Garanhão  - com frequência - interrompia suas tardes de dolce far niente  para bater papo com Zé Genoíno, íntegro funcionário do Banco Agrícola e velho companheiro de infância, daqueles amigões tipo assim que se entendem até quando estão só de cuecas.

Naquele tempo, o expediente era vespertino e tinha folga de quinze minutos para lanche e descanso dos bancários. Normalmente, a turma toda aproveitava para tomar um café expresso, fumar um cancerzinho e ficar lagarteando na frente do banco, falando mal de uns e bem de outros até voltar à azáfama.

Naquela tarde, Zé Genoíno se queixava para o Garanhão de que alguém, com ares de cliente, o colocara numa fria:

- Pô, Garanha véio, me passaram uma nota falsa de 100 cruzeiros.
- Ah é?... Deixa eu ver.
- Não tá mais comigo, já passei adiante.

Tempo regulamentar esgotado. Zé Genoíno deu tchau pro amigo e voltou para o atendimento no setor de Contas Correntes. Ainda havia muito por fazer naquele fim de tarde de mais uma sexta-feira, antes de se reencontrarem em mais um happy hour no bar do Grande Hotel - pérola arquitetônica com ares monásticos.

MORAL DA HISTÓRIA - As pessoas honradas sempre resultam menos canalhas que as outras.

Affair em Gramado

Tremendo espadachim, o Garanhão de Pelotas sempre que começa um affair  tira uma temporada, onde possa escapar dos paparazzi  e do assédio dos fãs para curtir à la frouxée  uma boa lua de mel. O cara não é fraco, não. Note que só nesse começo de caso, a descrição foi feita com vocábulos em portugues, ingles, italiano e frances. Um preciosismo vernacular que só as raízes da sua recôndida nobreza podem explicar.
Reprodução/Site Estalagem St. Hubertus

Na realidade o Garanhão não só fugia do assédio de tietes, ele se esgueirava também das cenas de ciúme do seu trio de secretárias-executáveis diante de mais um caso sério do seu honorável amo e senhor.

Depois de muito relaxar e gozar ao crepitar da lareira que aquecia a suíte colonial da Estalagem St. Hubertus, na bucólica e acolhedora Gramado, o nosso Herói Pampesino foi com sua deslumbrante segunda pele, uma morena de olhos verdes mais profundos que o mar das Antilhas, para o bem frequentado Belle du Vallais Restaurant.

É que essas coisas de andar para cima e para baixo, despertam o apetite. Na verdade, lua de mel à boca de uma chama ardente, dá cio no estômago. E lá estava o elegante casal na mesa cinco do badalado Belle du Vallais, o restaurante mais suiço do Brasil.

Casa cheia, gente de fino trato em todas as mesas. Depois de sorver um premiadíssimo vinho da região, o Garanhão fez a pedida simples: truta com amêndoas.

Aquele clima fazia bem ao ego do garboso e lendário gaúcho pelotense. Gente bonita, rica, cara de importante, pessoas "não comuns", decerto formadoras de opinião. Era bom um certo anonimato, em ocasiões como aquela fugidinha do cotiano e das maledicências citadinas. Mas, nem tanto. A fogueira das vaidades já começava a lambiscar a alma do Garanhão.

Reprodução/site Belle Du Vallais
Eis que seus olhos varriam o ambiente quando bateram na figura do garçom que os atendera, prestando serviço à mesa de um jovem e elegantérrimo casal, de maneiras finas e gestos nobres até para destrinchar o suculento pato com laranja que tinham diante de si.

Nesse instante, o maitre  aproximou-se para fazer as honras da casa aqui, na mesa do Garanhão.

O nosso intimorato galã, não resistiu à tentação e aproveitou a ocasião para tirar do public relations  do restaurante uma pequena e inocente in/confidência:

- Por favor, quem é o casal naquela mesa; é gente importante?
- Quê nada... Eles agora mesmo perguntaram que são os senhores...

O Garanhão e seu bem-querer venceram com paz e amor aquele início de noite deliciando-se com a culinária da Serra gaúcha. Dia seguinte, no breakfast, o nosso galante Cavaleiro do Extremo Sul lia o Jornal de Gramado, com vasta circulação na região das hortências. Sua foto ocupava meia página da coluna social. A mesa daquele outro lindo par de pombinhos não foi captada pelas lentes do colunista do hight society  serrano.

MORAL DA HISTÓRIA - A virtude não caminharia muito longe se a vaidade não fosse sua companheira.

22 de jan. de 2011

Feijoada na Maloca Querida

Lá pelo fim dos anos 70, agonizava a Redentora como hoje anda em estertores a democracia nacionalizada. Foi então que, naquela manhã de sábado, bem ali onde quem vive no planalto central olha de cima para o que sobra do Brasil, o Garanhão de Pelotas  se espraiava diante de um chopázio pra lá de bem-tirado, numa mesa do já falecido "Maloca Querida", bar e restaurante encravado na 108-Sul, a Rua da Igrejinha.

Tinha por parceiro de espera pela feijoada mais carioca daqueles anos em Brasília, um conterrâneo amigo velho, dos tempos de furar brincadeira e bancar o peru de banquete nas festas de aniversário lá em Pelotas, terra distante nas beiradas do Sul que vive a olhar de frente pro Norte.

O rio-grandino Golbery do Couto e Silva - modelo de Maquiavel que os dirceus de agora não conseguem imitar - acabara de soterrar o bipartidarismo.

Aí começou a tragédia do fisiologismo: o MDB já era PMDB, Brizola rasgara a ficha do PTB de Getúlio Dornelles Vargas e fundara o PDT, Tancredo idealizou o PP; a UDN virou banco de guardachuva e até o PT estava na praça, nascido já com o jeito que tem hoje.

Cinco, seis chopes depois, a espera dos dois amigos pelo feijão acabou caindo no caldeirão da política. O Garanhão, destituído de vocação partidária, era um livre atirador; politizado por implicância, sua veia política era o conduto à anarquia - no bom sentido.

Já seu amigo do peito era um chato de galocha. Um petista militante. De carteirinha que, a bem da verdade, naquelas priscas, não tinha o valor de um diploma como tem hoje.

O Garanhão não podia perder aquela chance. Tomou mais um golaço de chope, mordiscou um torresminho e provocou:

- Eu sou de direita...
- E eu sou esquerda e sei por quê... Tu sabes por quê és da direita?
- Tchê, meu pai é de direita, meu avô era de direita, meu bisavô foi de direita. Então, eu sou de direita!
- Ah, é hereditário, é?... E se o teu pai fosse um idiota, teu avô um idiota e o teu bisavô um idiota?!?
- Bom, nesse caso, eu seria de esquerda... Seria um PT bem assim que nem tu!

Nesse momento solene chegou o garçom com a feijoada completa, mais nobre e mais carioca de Brasília. Os dois comeram e beberam até às cinco da tarde. Sem trocar uma só palavra.

MORAL DA HISTÓRIA - Falar de boca cheia é falta de educação. Mesmo com sotaque de gaúcho.

O Antiquário e o colecionador

Naquele tempo, o Garanhão de Pelotas  era um antiquário. Estava a ver navios em meio a um dia de pouco movimento. Nada demais, dia de negócios com coisas antigas é assim mesmo, um pinga pinga... Mas sempre pinga. E como é assim, eis que entra um freguês, vestido de preto, com algo que parecia um evangelho, ou uma bíblia, embaixo do braço. Usava um barrete na cabeça de cabelos caídos em cachos laterais, emoldurando uma extensa barba. Não, não era um português.

O visitante entrou e foi bisbilhotando o que havia em oferta por ali. Num canto da loja, atulhada de badulaques, um gato lambia leite numa tigela.

O homem - um dissimulado colecionador - botou o olho na vasilha e viu logo que se tratava de uma raríssima peça de porcelana chinesa. Dinastia Ming, com certeza; coisa do reinado de Jiajing.

O Garanhão aproximou-se para melhor atender o cliente. E ganhou sua atenção:

- Que gatinho lindo. O senhor quer vender?
- Vendo sim, por R$ 2.500 o senhor pode levar...
- Tá caro, mas meu filho vive me chateando por um gatinho... Vou levar. Pode ser cheque?
- Pode sim.
- Então, tome...
- Muito obrigado... Ó, o gatinho é seu.
- Posso levar a tigelinha onde ele está acostumado a tomar leite?
- Ah, infelizmente não... Não posso lhe dar a tigela.
- Ora, por quê não?
- É que ela me dá muita sorte. Por causa dela já vendi mais de vinte gatinhos lindos como esse aí.

O rabino saiu com o rabo do gato entre as pernas. Antes mesmo de chegar em casa, deu o bichano de presente para uma vizinha que lhe disse ter uma filha louca por gatos.

MORAL DA HISTÓRIA - Nunca deve se julgar enganado aquele que reconhece o seu engano.

21 de jan. de 2011

Um despertar do Garanhão

O propagandista Garanhão de Pelotas acordou com os bofes virados. Foi ao banheiro, olhou-se no espelho, não gostou do que viu e resmungou para o lorde amarrotado que o encarava lá de dentro: - Vê se te enxerga... vai te lixar!

Não foi por nada, nem mesmo por conta da ressaca da gandaia de ontem, mas ele teve a nítida impressão de que ouviu o almofadinha do lado de lá responder na mesma moeda: -Vai te deitar, vinagre!

Só pra não deixar barato, passou um pito no reflexo:
- Pra mim tu acóca na boneca! Tu descabela a bruxa.

Antes de pegar a escova de dentes, o sabonete Lifebuoy e o pente Flamengo, tem certeza que ainda escutou a teimosa figura lhe dar o troco: - E tu, seu bocó duma figa, senta no pepino e diz que é verdureiro...

O Garanhão dessa vez arrolhou,  acabou de arear os dentes, desistiu de brigar consigo mesmo, entregou os pontos e zuniu dali. Já na cozinha, deu bomba no fogareiro primus, fez uma torrada de presunto e queijo e foi tratar de ganhar a vida.

Quando saiu para a rua, vestia-se como um dandy: calça preta de nylon, paletó cinza-xadrezinho Príncipe de Gales, camisa volta-ao-mundo, gravata italiana e sapatos tanque das Lojas Clark. Claro, Gumex no cabelo abotoado - que o topete não podia desandar.

Chaveou a porta do bangalô de cimento penteado, entrou no seu flamante Austin A-40 e saiu cantando pneu, fazendo murisqueta pela alameda que levava até sua agência de propaganda. Tinha que gravar, ainda naquele pedaço de manhã que lhe sobrava, um acetato com dois reclames - um, do Galenogal; o outro, do Pó Pelotense.

MORAL DA HISTÓRIA - Toda consciência digna e pura padece de um amargo remorso quando não resiste a uma recaída.

Excelências identificadas

O Garanhão de Pelotas - então douto magistrado, presidia uma concorrida seção do Tribunal do Júri.

O embate entre o promotor de justiça - famoso defensor do Estado e o advogado de defesa - um temido criminalista, era o grande campeão da audiência popular.

Os dois eram tidos e havidos como brilhantes oradores, ainda que sem papas na língua. Duas grandes raposas das lides forenses.

O confronto, mais do que o caso em julgamento, era a grande atração do júri. E não deu outra: nem bem os trabalhos começaram e, diante da primeira discordância, foram ganhando foros de acalorado bate-boca:

- Meu caro e ilustre promotor, o senhor é um biltre!
- E vossa excelência, um reles calhorda!

O Garanhão de Pelotas, ajeitou a toga, bateu o martelo, tilintou a campaínha de alerta às partes e ponderou com firme ironia:

- Já que ambos acabam de se identificar e todos aqui já sabem quem são os senhores podemos começar agora a tratar do processo... excelências.

Ao fim de oito horas de trabalho, o julgamento chegou ao final sem que os dois precisassem usar de sua verborragia escancarada para convencer o corpo de jurados. O calhorda conseguiu que o réu fosse condenado. Mas o biltre vai recorrer.

MORAL DA HISTÓRIA - Na justiça sempre há perigo: ou por parte da lei, ou por parte dos juizes. No fundo, no fundo, a justiça é a verdade em ação.

20 de jan. de 2011

Briga parelha

Na plácida tarde de segunda-feira, de um ensolarado dia 20 de janeiro, o Garanhão de Pelotas andava calmamente por uma rua do interland paulista quando viu um advogado cadeirante ser agredido por um delegado de polícia.  Ele viu tudo, mas já disse que não é testemunha nem de Jeová. A briga, nada desigual, começou por causa de uma vaga especial para deficientes físicos.

Por ouvir dizer, ele ficou sabendo que o advogado, de 35 anos, se dirigira de carro a um cartório no centro da cidade. À cata de uma vaga exclusiva na rua, encontrou outro veículo estacionado nela.
O motorista deficiente encontrou um lugar mais à frente, coisa assim de 200 metros, estacionou e, em seguida, seguiu em sua cadeira de rodas até o cartório. Quando se aproximou da entrada, viu o homem que não tem deficiência aparente, caminhando até o carro parado na vaga especial.

O cadeirante se meteu de pato a ganso e foi chamar a atenção do motorista acima da lei de acessibilidade.  O Garanhão ouviu comentarem que ele teria tentado explicar: “Fui chamar sua atenção. Mas ele me constrangeu fisicamente"...

Disseram para o Garanhão que logo eles começaram a trocar insultos e o policial xingou o outro de “aleijado fulho da pita”. Aí, revoltado, injuriado e enojado, o ofendido cuspiu na direção do delegado. Cuspiu, porque não tinha como dar uma tapopna nas fuças do outro. 

A cusparada atingiu o vidro do automóvel. O vidro e suas adjascências. Uma das adjascências foi, exatamente, a cara do delegado. Uns respingos. Sabe aquela cusparada que sai em forma de paraqueda aberto? Pois é, espalhou em formas de pingos. Quem sabe até pingos e respingos merecidos. Nem tanto pela troca de gentilezas, mas pelo desrespeito à lei que ele jurou servir e fazer cumprir.

Aí, o escarrado sacou uma arma e perguntou se o cuspidor queria morrer. Foi ali que o cadeirante começou a desconfiar que o cara era policial. Virou o rosto. O Garanhão também virou. O que veio a seguir, ele só sabe mesmo de ouvir falar.

As pessoas que passavam pela rua saíram correndo de cena. Mas, um cara lhe disse que  ouviu o cadeirante relatando o susto: “Quando ele mirou na direção da minha cabeça, só consegui virar o rosto”. O Garanhão ficou sabendo que o rapaz da cadeira ficou paraplégico aos 17 anos após levar um tiro na coluna durante um assalto.

Os populares contaram para o curioso Garanhão de Pelotas que o advogado garante que recebeu uma coronhada na cabeça e que teve o rosto atingido pela ponta da arma. Disseram também que o delegado negou ter sacado a pistola.

O Garanhão ficou sabendo que sobre o fato de o policial ter estacionado em uma vaga exclusiva, o causídico defensor do invasor de estacionamentos privativos afirmou que a noiva do seu delegado, grávida de 4 meses, não se sentia bem.

Foi então que, do alto de sua longa experiência como criminalista de escol, o Garanhão de Pelotas discursou, para uma pequena platéia que já o cercava, que tudo aquilo se tratava de um lamentável engano:

- Elementar, meus caros que estacionar o carro na vaga para deficientes é infração desalmada à lei de acessibilidade; elementar que puxar um revólver para um paraplégico é um absurdo; elementar que apontar a arma pra cabeça do desafeto é um crime anunciado; elementar que dar duas bofetadas num cadeirante é uma covardia; elementar que o delegado jamais deveria ter deixado a noiva grávida em um cartório...

- Para mim - sentenciou então o Garanhão de Pelotas - nada disso teria acontecido se, ao invés de levá-la ao cartório o delegado tivesse encaminhado sua noiva para um teste de BNH...
- BNH?!? - espantou-se um transeunte - Não seria um teste de DNA?...
- Quê DNA quê nada... Teste de BNH! O exame iria mostrar se o filho da noiva era dele, ou do vizinho que mora na casa ao lado.

E dando as costas ao grupo que se aglomerava a sua volta, tomou o rumo inverso ao da confusão. Entrou no primeiro Cyber Café que encontrou. Dizia de si para si mesmo: - O delegado deveria estar furioso por causa disso. Essas dúvidas de paternidade são terríveis. E ainda pensou pra terminar o assunto, antes de ser servido pela linda garçonete:

- Elementar que a briga não era desigual. Eram dois deficientes. Um, paraplégico; o outro, deficiente mental.

A verdade pura e simples do Garanhão

Meio desprovido de sentimentos de culpa quando cai em desgraça tamanha que possa ser comparado a um candidato em campanha eleitoral, o Garanhão de Pelotas, ainda assim, tem seus ataques de remorso e não consegue guardar os males que pode estar fazendo a alguém.

Nasceu para ser aberto e franco; detesta ser dissimulado. Sabe, no entanto, que o mundo não suporta a verdade verdadeira. Aguenta - e olhe lá! - a verdade, não mais que a verdade; a verdade pura e simples. A verdade por inteiro, verdadeira mesmo, é um Deus nos acuda. Ou um diabo que carregue.

O Garanhão bota pra fora. Nem tanto porque seja de uma sinceridade sem par, ou ímpar, mas muito mais porque sabe que a mentira é nanica, tem pernas curtas. Como uma boa anã, a mentira não morre. Ou você já foi, ou conhece alguém que tenha ido a um enterro de anão?!?

Chegou-se à mesa dois do Cruz de Malta, bar da esquina de todas as dores de amores da cidade. Era ali que Josué, o Zeca, seu melhor amigo sempre estava, enchendo de pedras renais - tal era a mágoa que tinha no corpo - as doses do uísquezinho que tão bem faz ao fígado de todos nós. O Garanhão chegou-se, sentou diante do amigo e pediu um Jack Daniels duplo, de caubói. Corria o anoitecer.

- Zeca, somos amigos desde guris.
- Sei, tu és meu faixa, desde mandinho.
- E tu, tu és meu mano, Zeca. Mas preciso te dizer uma coisa...
- Te abre, meu chapa.
- Tu tá aprecatado Zeca, pra qualquer coisa?
- Desembucha, tchê.
- É que a Zeneida ... Ela...
- Destranca, meu.
- Ela tá te guampeando com outro macho, tchê...
- A las pucha... Essa foi bucha!

A verdade cortou fundo a alma de Zeca. Ele nem quis saber de mais nada. Saiu da mesa, meio sem rumo, desarvorado, já com as guampas tortas, mas profundamente agradecido ao amigo de fé, irmão, camarada. Antes de chegar à porta de saída, ainda dirigiu-se ao confidente:

- Brigado, meu faixa; muito brigado pelo coice... e pela amizade.
- Não por isso, compadre... Só não me vai fazer besteira...

O Zeca já nem estava mais ali. O Garanhão sequer teve tempo de dizer mais alguma coisa. Pena, mas era verdade. Respirou aliviado pelo desabafo e pela reação do pobre Zeca. Levantou-se pagou a conta e foi para casa. Tomou um banho reparador, deitou-se de cara para o teto. Apagou a luz. Dormiu com o remorso martelando sua cabeça.

Nem era remorso. Era a verdade inteira que lhe pesava na consciência. Afinal, o macho que andava comendo a Zeneida era ele. Dói até hoje na alma do Garanhão botar guampa no Zeca. Essa verdade verdadeira vai morrer com ele. Magnânimo, não quer causar mais dor ainda ao amigo velho.

Pendurando a despesa

Pensa que a vida de um nobre falido é levada sempre na moleza? Ledo engano. O Garanhão de Pelotas não só já fez, como é capaz de qualquer coisa na vida. Assim que se formou em tudo - direito, jornalismo, letras portugues/ingles, psicologia, filosofia e sociologia - continuou desempregado, como senta bem no Brasil a qualquer pessoa que tenha diplomas para apresentar, ao invés de carteirinha do partido governante.

Nesse tempo, era garçom. Atuava com desenvoltura - em verdade vos digo, quase flutuava - por entre as mesas propositadamente rústicas da Taberna do Willy.

Naquela noite, lépido e gentil, apresentou a conta do lauto e requintado jantar a dois, para o elegante, bem-acompanhado e maneiroso freguês, mais conhecido nas boas casas do ramo por seus pequenos e costumeiros golpes, do que pelas gorjetas que deixava.

Ora, não seria só porque o garçom da casa era o Garanhão de Pelotas que o finório mudaria seu modus operandi. Naquele velho começo de noite ainda criança, o nosso serviçal superstar pressentiu que o caloteiro de fino trato agiria comme d'habitude. E não deu outra. Ao deparar-se com a apresentação da nota de despesas, o cliente foi direto ao assunto:

- Desculpe, moço, acho que esqueci a carteira em casa...
- Acontece, meu senhor... Mas, não faz mal, eu penduro a nota com o seu nome ali na parede e quando o senhor vier pagar a conta a gente apaga tudo. Eu mesmo tiro a nota dali.
- Nem pensar. Todo mundo vai ver meu nome aí. Isso é uma vergonha.
- Quê nada, meu senhor, eu vou pendurar o seu paletó ali ó, tapando a nota...

Assim que o Garanhão deu mostras de que pegaria mesmo o casaco no espaldar da cadeira do comensal, a carteira milagrosamente apareceu nas mãos do devedor. Até propina sobrou naquela noite, ainda criança.

Mais fel, por compaixão!...

O Garanhão de Pelotas, nesta passagem, é ainda estudante do Ginásio Gonzaga - colégio da elite citadina, como fazia bem ao seu sangue azul. Já era taludinho. Cursava o terceiro e último ano do Científico. Estava pronto para os vestibulares de Direito, Jornalismo, Filosofia, Psicologia e Sociologia que - mais tarde você verá - realizaria com enorme sucesso no final do próximo ano que já se aproximava.

Por enquanto, era apenas Sexta-feira da Paixão. O Gonzaga costumava celebrar a data com pompa e circunstância. Missas, rezas, teatralizações faziam parte da cartilha de devoção gonzagueana. Naquele ano o grupo de teatro do colégio não encontrou na série ginasial um intérprete para o personagem "Cristo Crucificado".

Por arte de escolha decidiu-se por um aluno do Curso Científico. Não deu outra, o Garanhão foi o ungido. Houve controvérsias: a turma sabia que o cara não tinha, digamos, o perfil mais apropriado para protagonizar um Cristo. Cultivava alguns alguns hábitos conhecidos que o catecismo não recomendava: namoriscos com as mulheres dos vizinhos, happy hours sistemáticos, jogador de futebol, bom de sinuca e de carteio... Mas, só tinha ele; foi ele mesmo.

Dia de teatro. Casa cheia. A encenação já ia lá pela metade. Até ali, tudo bem. A interpretação do Garanhão era perfeita. Platéia atenta, o parceiro de gandaia daquele Jesus de araque, fazia o papel do centurião que deveria mitigar a secura dos lábios do crucificado.

Safardana como ele só, o centurião resolveu aprontar. Ao invés de trocar vinagre por fel - como está na Bíblia - ele empapou a esponja afixada na ponta da lança com uma dose tripla de cachaça. Pinga pura.

Encarnando Cristo, como manda o figurino, mas ostentando num dos braços um inadequado relógio de pulso - mancada da produção - o Garanhão saboreou com surpresa e incontido prazer o inesperado nectar dos deuses daquela bendita bucha.

Atilado e expedito, o Garanhão remexeu-se na cruz e, com notável desempenho, simulou desatinada sede. Com voz embargada e dolorida, como só os grandes intérpretes sabem emitir, ele fez soar pela acústica do teatro uma dolorosa ladaínha de apelos desesperados:

- Mais fel... por compaixão, fel... Ó centurião, meu bom homem, me dê mais fel!

E assim o pinguço Garanhão morreu de mentirinha, pregado na cruz, gritando por fel o tempo todo, até que a peça chegasse ao ato final. Nunca antes nesse país o pano foi tão rápido num teatro, nem tão grande o porre de um sacrossanto ator.

MORAL DA HISTÓRIA - Bolas, tanto o Garanhão quanto o centurião, eram de fazer frege; faziam um verdadeiro charque em aula. Passavam coxando os outros e cristiando os trouxas. Tinham bicho carpinteiro no corpo. Não seria uma reles peça de teatro que iria modificá-los.

19 de jan. de 2011

Aqui é do hospício!...

Hoje, o Garanhão de Pelotas é médico. Médico, em fim de semana. Curtia o Dunas Clube, as quadras de tênis, o camarãozinho à milanesa com chopinho gelado na pérgula da piscina, a troca de casos engraçados hospitalares por piadas de medicina - que contados assim ao mesmo tempo, soam sempre como pleonasmo. Pura redundância.

Pois o Garanhão relatava, entre um crustáceo e um gole, o seu último plantão. Por acaso decorrido num conhecido hospício da cidade. E saiu uma historieta assim como quem não quer nada:

Por dever de ofício - dizia o doutor - ele analisava o comportamento de tres velhos pacientes. Eles estavam com o pé que era um leque para sair do hospital. O Garanhão, ciente de sua obrigações, partiu para um teste  final antes que lhes pudesse dar alta. Reuniu a trinca e foi perguntando para o primeiro:

- Quanto é dois mais dois?
- Fácil, 29...

O Garanhão deixou aquele de lado e indagou ao segundo paciente:

- Quanto é dois mais dois?
- Terça-feira.

A esperanças de alta baixavam sensivelmente. O Garanhão foi em frente e quis saber do terceiro homem a sua frente:

- E você aí, quanto é dois mais dois?
- Barbada, quatro!
- Viva! Parabéns. Mas como é que você chegou a essa conclusão?
- Simples, doutor... 29 menos terça, igual a quatro!

A turma resolveu jogar mais um desafio de tênis. Foi para a quadra. O Garanhão pegou a raquete e partiu para o confronto com Fernando Costa, outro médico, grande tenista, dono de um dos smashes mais desconcertantes das redondezas. Era um smash surpreendente: nem ele mesmo sabia que rumo a bolinha tomava.

Praticar qualquer esporte, qualquer modalidade com um médico na pista ou em quadra é um noscoômio. Eles não se desligam de seus consultórios, dos seus pacientes, dos seus hospitais. Naquele dia, a clientela de Fernando Costa estava um espanto.

A todo momento o celular tocava no banco situado na lateral da quadra. O jogo parava, ele atendia, receitava qualquer coisa, desligava e o jogo recomeçava.

Quando, pela quarta vez, o celular de Fernando reverberou na quadra, o Garanhão de Pelotas adiantou-se, pegou o telefone e atendeu:

- Alô, aqui é do hospício... Aqui não tem telefone!

Desligou, voltou para o campo de jogo e agora, sim, sem novas interrupções venceu mais uma vez e por dois sets a zero - 6/3 e 6/4 - o seu mais corriqueiro fregues de caderno. Fernando Costa alegou que a atitude inusitada de seu oponente tinha acabado com a sua concentração e desmanchado a sua estratégia de jogo.

16 de jan. de 2011

Justiça!... No velho dialeto pelotense

O cara era um patricinho daqui, ó... da pontinha. O sujeito era de morte. Por dinheiro fazia qualquer negócio. Tipo assim esses Dirceus, dos que não tem escrúpulos. Uma brasa, mora...

Um dia, alhures, o ávaro ricaço perdeu um saquitel com Cr$ 800 contos em dinheiro sonante, a vida inteira lá dentro. Mas, ele só pensava na bijuja, na bufunfa, no capim... Afinal, a grana, os pilas eram de estimação, ora pombas! 

O avarento, no entanto, tinha tanta potra que, na tarde seguinte, na soleira da porta de seu bangalô, um humilde camponio lhe pediu precisadas alvíçaras, pois achara numa touceira o saco do canguinha. Uma gorjeta, uma propina viria bem a calhar.

Saquitel na mão, o esperto contou e recontou o dinheiro, enquanto surrupiava uma nota de cem contos de réis, sem que o colono se desse conta. Foi então que, na maciota, tentou embromar o pobre honesto que lhe devolvera os bens perdidos e que agora só queria uma pequena recompensa:

- Aqui deveria ter 800 contos, mas só tem 700... - disse em tom que mostrava desconfiança.
- Como assim, meu senhor... eu não peguei um tostão furado do seu saco.
- Acho que você já tirou a recompensa. Não lhe dou mais nada, néris de pitibiribas!
- Ora bolas - azedou-se o matuto - isso não fica assim, o senhor está me achincalhando...
- Se não gostou bota açúcar e vamos até o juiz e deixar que ele decida - ameaçou o safardana, confiando em sua posição social.

E foram. Depois de cada um contar a sua parte do caso, ouviram a peroração do Garanhão de Pelotas, na época douto magistrado da província de São Pedro que, de cara, havia bispado o golpe e a esperteza do abastado cidadão. Dirigindo-se ao ricaço, ele pediu confirmação:

- O senhor perdeu um saquitel com 800 contos?
- Sim doutor, 800 contos.
- E o senhor achou um saquitel com 700 contos? - quis saber do pequeno camponio.
- Sim senhor doutor, o moço aí contou na minha frente e diz que tem 700...
- Então, pode ficar com ele. O senhor o achou, então ele é seu.

E, sem mais delongas, antes que o avarento saltasse nas tamancas, o Garanhão de Pelotas dirigiu-se a ele, olhos nos olhos e justificou sua sentença:

- Como o senhor perdeu um saquitel com 800 contos, e esse outro senhor encontrou um saquitel com 700,  está mais do que evidente que não se trata do mesmo objeto perdido. Então, meu senhor, não tem curécuré, espere sentado que alguém ache uma sacola com 800 contos... Talvez seja a sua.

Com um traço de satisfeita ironia, o Garanhão fez mofa e deu o caso por resolvido. O vivaracho escafedeu-se, fulo da vida. Já o pequeno agricultor sem terra - no bom sentido - teve frouxos de riso, pois achou que a decisão foi daqui, ó! Da pontinha... Fim de caso. Decisão da Justiça não se discute; cumpre-se.
Adaptação de uma narração da "Seleta em Prosa e Verso".
"Foi um milagre, somos vitoriosos".
Sobrevivente da tragédia no Rio - sem dizer o nome do milagroso, nem falar na omissão dos outros santos enquanto a região Serrana desmoronava.

"Até que se operem os milagres, a negligência dos santos está para os seus fiéis, assim como a incompetência da Defesa Civil está para a população".
Garanhão de Pelotas - metendo o bedelho nas tragédias que vem desmanchando o Brasil.

RODAPÉ - Deus pode ser brasileiro, mas tem sido omisso com sua pátria. Se o Homem sabe que os morros podem desabar por quê deixa chover?!?

15 de jan. de 2011

Erro de imprensa?!?

O governador Sérgio Cabral disse que viveu momentos de "pânico" na viagem que fez a Nova Friburgo. Ele contou que viu um deslizamento de terra que deixou interditado trecho da via de acesso onde estava. Já assessores mais próximos garantem que, assim que pisou em terra firme, Sérgio Cabral estava mesmo era em "penico".

Espírito cubano

O Garanhão de Pelotas andava aos trancos e boleros lá por Havana, tierra soñada por Lula, Franklin Martins, Zé Dirceu e até por Raúl e Fidel Castro. Bolas, o Garanhão também não é de ferro; tem lá suas descaídas. Era uma volta sentimental. Levou com ele as três inseparáveis gurias medonhas de cama, mesa e banho. Não dizia nada pra ninguém - que pra trouxa ele não serve - mas, queria comparar la Cocodrillo Verde, de el huidizo Fulgêncio Batista con la Cuba de hoy, de los depreciables hermanos Castro.

Forçoso confessar, mas só para ele mesmo: pouca coisa tinha mudado. Os boleros eram os mesmos, as morenas dadivosas eram as mesmas,  a salsa era a mesma, tudo era o mesmo que os turistas sempre viram e viveram em Havana. Tudo igual, só que bem mais velho. Com menos charme, menos glamour, menos grana, menos gordurama... Ah sim, as doses de Cuba-libre eram bem menores e muito mais caras.

Naquele meio de noite, com o fim pra lá de previsível de um show dito afro-cuban latin jazz, resolveu voltar a pé para o hotel, bem ali pertinho. Elegante, sempre no it da modatrajando uma camisa volta-ao-mundo e uma blusa de banlon, o Garanhão matutava em dialeto pelotense sobre aquela velha mania dos cubanos usarem o título de seus espetáculos sempre em inglês.

Assim, até parece que eles não falam espanhol, pô. Atravessou a rua escura e mortiça e, já na primeira quebrada de esquina, seus pensamentos se perderam quando ele se deparou com um trôpego notívago que bramia em desencanto:

- Gobierno de mierda... Gobierno de mierda!

Seus queixumes foram interrompidos pelo tonitruante vozeirão de um enorme policial, desses que a gente encontra em qualquer parte do mundo, que logo lhe deu um encontrão:

- Hablando mal de gobierno, hahân?!?
- Pero, señor policía, yo estoy hablando de el gobierno de Brasil.
- No me vengas con escusas. El unico gobierno de mierda que yo conozco es el gobierno de Cuba!

E mais não disse. O pinguço ia sendo preso, quando o Garanhão de Pelotas interferiu. Com uma ficha de jogo equivalente a cem dólares na mão, convenceu o guarda a libertar o cambaleante dissidente:

- Ei, hombre...  Você sabe que esta é só uma velha piada. Solte o cara, ou você não vai sair na matéria que eu vou mandar amanhã pros meus editores e nem na história que vou jogar na internet.

MORAL DA HISTÓRIA - A surrada anedota serve para mostrar que para um dissidente cubano escapar do regime castrista, basta meter o Brasil no meio. Desde que não seja pugilista e Tarso Genro não esteja por perto. E mais até: propina é propina e toda esquina tem seu preço.

14 de jan. de 2011

Ranking universitário

Com base em dados fornecidos pelo Ministério da Educação, aquele ministrado por Fernando Hadad - o que não consegue realizar uma prova do Enem  sem repeteco - duas universidades e uma faculdade de Pelotas foram avaliadas dentre 2.137 instituições de ensino superior no Brasil.

Pela pesquisa nacional do portal iG, a Universidade Federal de Pelotas, UFPel - que fica na cidade Capão do Leão - obteve a 80ª colocação, conquistando 326 pontos de qualificação num total de 500 no IGC -Índice Geral de Cursos, atingindo a faixa 4 no quesito qualidade; a Universidade Católica de Pelotas, UCPel alcançou a 260ª posição, com 265 pontos no IGC e chegando à faixa 3 em qualidade. Já a Faculdade Anhanguera, beliscou a 120ª colocação, com 307 pontos no IGC e conceito de qualidade na gloriosa faixa 4.

A Faixa 3 significa que o ensino é razoável; a 4 quer dizer que é bom para uma pontuação máxima de 5. Se fosse de zero a 10, a UCPel teria tirado 6; a Anhanguera e a UFPel teriam média 8. Estariam todas aprovadas. Receberiam o diploma no fim do ano letivo para concorrer com a carteirinha do PT, especialista em aprovação dos seus candidatos.

Sabe o que isso significa? Bulhufas. Não quer dizer nada, ou muito pouco, por quê se trata de pesquisa com referência em dados do MEC que está longe de entender de ensino, pesquisa e extensão, ainda mais que é regido pela batuta de Hadad, o estapafúrdio. Não há nenhuma razão para que alguém se sinta tiririca da vida.

O que pode acontecer, a partir daí é que o Ministério de Educação peça desculpas, recolha os dados repassados aos coordenadores da pesquisa e, aguarde o tempo hábil, para reenquadrá-los em condições que possam ser entregues com segurança ao iG para uma nova edição da pesquisa. Se for por isso mesmo, a partir de agora, todo mundo pode esperar sentado. Até uma nova expectativa de mudança no Ministério.

A máscara da dor da tragédia em pessoa

O Garanhão de Pelotas gosta da Globo, mas não é bobo. Ontem, num dos canais fechados, abertos pela rede platinada para a coletiva do dueto Dilma/Cabral, deu para perceber o ar de dor profunda que o governador dos cariocas ostentava como se fosse uma das vítimas da hecatombe da região Serrana do Rio de Janeiro

Enquanto discursou conseguiu manter a cara de falsa tristeza. Quando começou a responder as perguntas da imprensa - inclusive atravessando a fala da primeira-mulher-presidenta inteligenta do Brasil - Cabral deixou cair a máscara da face.

R. Stuckert/PR

De qualquer maneira, conseguiu fingir que não teve nada a ver com as tragédias de Paraty, em 2009; Angra, em 2010; Ilha Grande, também em 2010;  Niterói, no mesmo fatídico ano e agora com esse brutal e doloroso início de 2011.

Mais do que um péssimo ator, revelou-se um canastrão fantástico: mentiu descaradamente a respeito da "ajuda humanimonetária" que o antigo e já vencido governo Lula teria dispensado à sua administração para usar em obras de prevenção da defesa civil do Rio de Janeiro.

Perguntado a respeito disso tudo, o Garanhão de Pelotas respondeu rebuscadamente em seu linguajar com requintes de grossura, assim como quem não diz nada:

- Só esse governador já bastava para as agruras e desditas do alegre e sofrido povo carioca. Cabral, de per si, já é uma tragédia.

A azeitona preta...

Antes de tomar o rumo de Punta del Este, para mais um breve temporada na suíte pink special do Remanso, seu hotel preferido na movimentada Gorlero, o Garanhão de Pelotas resolveu-se por um rápido weekend na doméstica praia do Cassino, autarquia pública da portuária cidade de Rio Grande.

Juntou-se com a turma de pelotários da Charqueada São João para colocar as conversas em dia e jogar papo furado pro ar. Entre gols de mentira, grandes raquetadas imaginárias, piadas da vida real e muitos chopinhos de colarinho maduro, o grupo de amigos aproveitava o reencontro, incorporado ao espírito praiano que não dava bola para o aspecto social do boteco, abaixo do nível do mar.

O bom de tudo é que o chope era bem-tirado e, apesar dos escassos cuidados com a higiene das louças, o visual das empadinhas folheadas era pra lá de convidativo. Tiquinho Afonso - modelo fotográfico profissional - e um dos velhos companheiros, não resistiu e foi até o balcão. Sua ousadia foi acompanhada à distância pelos outros que preferiram ficar no chopinho geladão.

De volta à roda de amigos, Tiquinho escondendo o constrangimento, disfarçou a pequena aventura digestiva e, à primeira dentada, esforçou-se para elogiar a suculenta empada. Logo procurou e achou uma novidade, a título de conseguir adesões a sua incursão alimentar:

- Olhaqui... Uma azeitona preta na empadinha; nunca vi disso!... - Era um elogio.
- Essa azeitona não é preta... Ela está preta! - Fulminou, sarcástico, o Garanhão.

Sob o riso da turma, Tiquinho Afonso cancelou a próxima dentada, emborcou o que lhe restava do segundo chope da tarde, largou a empada na lixeirinha ao lado e optou por um sanduíche: - Por favor, só pão e queijo, não precisa nem manteiga...

13 de jan. de 2011

Tragédia em Dois Atos

1° ATO

O Garanhão de Pelotas, sempre teve um incontrolável fascínio pelo Caribe. Ano passado, estava o galante persecutor das mais sensuais espécies aracnídeas emaranhado numa teia de renda negra, quando sentiu o frêmito brutal nascido do mais íntimo recôndito da paixão de sua ruiva secretária-executora.

Nem ele mesmo se julgava tão apto assim a provocar vulcões de sensações inconfessáveis; nem ele, Garanhão velho de guerra, se considerava capaz de fazer a terra tremer com uma simples estocada final.

A verdade, no entanto, é que ao jorro do seu nectar erótico sua parceira desandou-se num frenesi tal que, além de suas maviosas formas caírem num requebro interminável, a cama espatifou-se, o chão do quarto cedeu, o teto desabou...

- Que final, fantástico! Que gozo. Hmmm que gozo. Vou relaxar...
- Quê relaxar o quê! Deixa de ser presunçoso, amoreco! O mundo está acabando!
- Quê, mundo o quê... Quem acabou de acabar fui eu!
- Olhali, cara. Te toca, te antena: É um terremoto! A cidade desabou. Port au Prince acabou!

O Garanhão de Pelotas, levantou-se do pedaço de assoalho que ainda restava da suíte presidencial do imponente Holiday Inn, chegou à varanda e só então se deu conta de que o Haiti já não era mais bonito por natureza. Era uma tragédia. Um desmoronamento só; homens, mulheres, meros mortais e "pessoas não comuns" morrendo soterradas; pedra, cascalho, cimento, ferros retorcidos, crianças soterradas, um caos. Forçoso é reconhecer: Port au Prince acabara.

Antes que os políticos de todas as classes e partes do mundo chegassem com as mãos vazias e as gargantas atulhadas de promessas; antes que os safardanas aportassem em Port au Prince com suas ajuidas humanimonetárias, o Garanhão e sua secretária ruiva se mandaram.

Fugiram daquele pavor. O check-in numa esteira que servia de aeroporto revelava o novo destino do Garanhão de Pelotas: tinha encontro marcado com as outras duas secretárias-executoras - a loira e a morena - num outro paraíso terrestre.

Esse sim, paraíso inatingível pelos males da uma natureza revoltada e cruel. E, com a ruiva à tiracolo, se mandou rumo ao País de Alice - que o Garanhão não pode ver desastre, destruição, nenhuma dessas maldades saídas dos quintos do inferno...

Deixou a tarefa de reconstrução do pobre país para os senhores do mundo, para os governantes que sempre aparecem quando a crônica das mortes anunciadas já foi lida, relida e só deixou desencanto, tristeza e destruição. O Garanhão se mandou. Sem olhar pra trás, já que não tem a menor vocação para virar estátua.

2° ATO

Nosso herói estava na maior. Dê-lhe que te dê-lhe. E ia fundo e voltava fácil. - Ai, como é bom viver no País das Maravilhas - dizia de si para si mesmo. As gurias se refestelavam. Umas trocando de lugar e de preferências com as outras. Pela progressão aritmética, as três imaginaram pelo menos 18 composições da trinca, todas aglutinadas numa gandaia daquelas com o garboso e, pra essas coisas de alcova, solidário e prestimoso Garanhão...

Eis que, na hora do pega que vai escapar, o experiente mancebo torna-se afoito e... pronto! A Terra toda tremeu. Aquilo sim é que era gozo; aquilo sim é que era orgasmo múltiplo! Parecia até que o Rio de Janeiro, capital maravilhosa do Brasil de Alice, um ano depois, estava clonando o Haiti...

A verdade é que, ao jorro do seu nectar erótico suas parceiras desandaram-se num frenesi tal que, além de suas maviosas formas caírem num requebro interminável, a cama espatifou-se, o chão do quarto cedeu, o teto desabou...

Estranho, mas o Garanhão teve a nítida impressão de que já vira aquele filme. Deu um chega pra lá na última das secretárias que estava a seu lado - as outras duas jaziam esparramadas embaixo dos móveis da suíte.

Foi até a varanda. Arrependeu-se de não ter se hospedado no Quitandinha... Petrópolis estava arrasada. Deslizava dos morros. Desandava pelas encostas. A região Serrana inteirinha era a imagem encharcada de todos os fogos do inferno. O Rio era um pedaço do país se desmanchando que deixaram de "herança bendita" para Dilma.

Então, lá de cima de sua sacada, se deu conta de que o Brasil Maravilha já não era mais bonito pela natureza. Pela natureza dos seus políticos, dos seus governantes.

Era uma tragédia anunciada; consequencia inevitável da insensibilidade dos governos de todos os naipes - federal, estaduais e municipais - que não aplicaram na defesa civil nem sequer 15% da verba que tinham para prevenir hecatombes como essas que já tinham dado o ar da desgraça em Angra dos Reis - o Jardim do Éden brasileiro para quem o governo federal deve, há mais de um ano, R$ 30 milhões que prometeu e, comme d'habitude, não cumpriu

O Garanhão viu com os seus olhos que a terra há de comer o que é mesmo uma "herança bendita", deixada assim de mão beijada, para quem quer e gosta.

O Brasil Maravilha é um desmoronamento só; homens, mulheres, meros mortais, "pessoas não comuns" morrendo soterradas; pedra, cascalho, cimento, ferro retorcido, crianças soterradas, um caos. As esperanças e as crenças deslizando, desabando, desmoronando pela vida abaixo. 

O Garanhão de Pelotas já está de malas prontas outra vez. Vai embora para a pousada "Manoel Bandeira", em Passárgada, lá ele é amigo do rei. Forçoso é reconhecer: o Brasil Maravilha acabou.